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Leonardo Sakamoto

Como estaremos em 50 anos, quando o planeta for pelo ralo?

Leonardo Sakamoto

23/01/2015 12h01

Os principais jornais do mundo têm uma coluna relembrando fatos passados há décadas. Com a ajuda de amigos, fiz um exercício inverso, de futurologia: como estaremos daqui a 50 anos tendo em vista que estamos jogando o planeta no vaso sanitário e dando descarga?

Daí alguém grita no fundo da sala: "Jesus vai voltar antes!" E o grito nem seria inédito, porque um assessor do então presidente George W. Bush também disse isso quando inquirido sobre mudanças climáticas. Mas vamos supor, apenas supor, que Deus não exista. Ou, se existir, que tenha nos deixado o livre-arbítrio exatamente para colhermos os frutos de nossa própria loucura. Como disse o sábio de barba (neste caso Marx, não Jesus), a história se repete, a primeira vez como tragédia e, depois, como farsa.

Você que está preocupado com a falta de água em São Paulo, no Rio ou em outras cidades saiba uma coisa: já era. Pode ser que a escassez não venha agora – apesar de nossos governantes se esforçarem pacas para que isso aconteça através de sua inação. Mas algum dia ela virá.

O que não dá para prever é qual será a reação de nossos netos. Certamente vão culpar a nós, pelo que fizemos e o que deixamos de fazer, pelo nosso consumismo idiota, pela ganância desmesurada, pela incompetência política, pelas falsas soluções, pelas grandes conferências que, ao final das contas, serviram mais para turismo e negócios vazios do que para resolver problemas.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS DE 2065

Cotidiano – São Paulo
A prefeitura da megalópole de São Paulo-Campinas fará, neste domingo, um show para comemorar a retirada da última carcaça de automóvel do Grande Congestionamento de 2042. Na ocasião, o trânsito da capital paulista travou por 24 horas. Os motoristas abandonaram seus carros e a prefeitura considerou que seria mais simples depositar concreto sobre eles, construindo vias expressas mais modernas e tirando 8 milhões de carros de circulação. Com o esgotamento da mina de Carajás em 2060, a multinacional Vavert (Vale-Anglo- Rio Tinto Inc.) decidiu por comprar do governo municipal o aço dos automóveis, refazendo as vias originais e rebaixando a cidade em 1,5 m. As escavações encontraram restos do que parecem ser arcaicos veículos de transporte do início do século 21 que os moradores daquele tempo chamavam de "bicicleta" e que, após tentativas de convivência mútua, foram proibidas de circular por criarem constrangimento aos motoristas.

Cotidiano – Rio de Janeiro
A prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou ontem o Aquário de Copacabana, com um show de João Gilberto, que mostrou ainda ter vigor e reclamou do retorno do som. O Aquário foi construído com a substituição das barreiras de contenção da orla, que eram de concreto, por mais modernas, de vidro – tornando possível ver o fundo do mar a partir da Avenida Atlântica. A antiga barreira fora colocada em 2051 após o nível do oceano subir devido ao derretimento acelerado das calotas polares e a ressaca atingir o salão de festas principal do hotel Copacabana Palace.

Internacional
Uma cerimônia em Pequim celebrou os dez anos da parceria estratégica "Lixo por Comida" no qual os países da região do Saara recebem o lixo produzido na China em troca da oportunidade oferecida aos cidadãos da região de vasculhar restos de alimentos nos contâiners e usarem a sucata para os mais diversos utensílios. O Saara é o último grande depósito terrestre vago de lixo no planeta depois que lixo tóxico vazou e tornou boa parte da Antártida proibida para humanos. O custo mais baixo de despejar resíduos no deserto africano manteve uma vantagem produtiva para as empresas sediadas na China após o espaço do deserto de Gobi ter se esgotado. Na semana passada, a megalópole de São Paulo-Campinas fechou acordo semelhante com a prefeitura de Gilbués, no Piauí.

Economia
O governo federal declarou, em nota, que irá zerar a alíquota para importação de verduras, legumes e frutas tropicais vindos da Patagônia e da Rússia. O objetivo é diminuir a pressão inflacionária causado pelo aumento dos preços cobrados por esses produtos desde a drástica redução de oferta no Sudeste com o fim das chuvas naturais. A aposta de que as espécies geneticamente modificadas conseguiriam se adaptar a um ambiente mais seco pós-colapso do clima não se cumpriu. Os produtores de soja da região de Mogi das Cruzes, que haviam comprado as pequenas propriedades rurais do antigo cinturão verdade da capital paulista, quando o clima se alterou drasticamente, pedem que o governo financie a transposição e a dessalinização da água do mar para irrigação.

Política
1
Começa na próxima quinta (21), o leilão de matrizes de nelore em Altamira, o mais importante do país. Os pecuaristas prometem fazer barulho e levar seus tratores e colheitadeiras para fechar os pedágios da rodovia Transamazônica. Na pauta de exigências está a concessão gratuita dos últimos trechos disponíveis da Floresta Nacional do Tapajós. As autoridades do Estado de Tapajós querem igual tratamento para seus produtores que o recebido pelo Estado de Carajás, quando os últimos remanescentes indígenas foram indenizados pelo governo federal para deixarem suas reservas – hoje distribuídas entre os produtores de grãos de São Félix do Xingu. Reclamam que foi exatamente por conta dessa "discriminação" que eles se desmembraram do Estado do Pará em 2021. O MST promete uma marcha para Brasília no mesmo dia.

Política 2
Um grupo de refugiados ambientais do Tocantins, que estão acampados na Praça dos Três Poderes, depredaram a estátua da ex-presidente Kátia Abreu. Desde que foi inaugurada, em 2032, a estátua teve que ser reposta 1.265 vezes.

Cultura
O governador do Estado do Mato Grosso do Sul inaugurou, na última terça, o Museu do Pantanal. O complexo de edifícios, construído em Corumbá, traz exemplares de pássaros e roedores empalhados que viviam na região e uma extensa coleção de sementes. Um mapa dos limites do Pantanal antes e depois do seu fim mostra o resultado do impacto do agronegócio nas cabeceiras da região. A construção do museu, produzido com tecnologia ambientalmente responsável, só foi possível graças a uma parceria com a federação estadual das usinas de etanol. A entrada para adultos custa 45 yuans.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.