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Leonardo Sakamoto

Falta água aqui, sobra ali. E os políticos seguem sorrindo, otimistas

Leonardo Sakamoto

26/02/2015 12h39

Muitos amigos dizem que sou pessimista. Mas se pessimista de fato fosse, nem levantava da cama de manhã após ler o jornal.

Não espero ou torço para que coisas ruins aconteçam, elas simplesmente surgem. Como o Godzila ou uma dose de St. Remy. Prefiro me considerar, portanto, um realista cético e levemente cínico.

Não me entendam mal, por favor, não sou preconceituoso. Até tenho amigos otimistas.

Mas, ao mesmo tempo, sinto um sentimento arrogante, daqueles bem quentinhos, quando vejo alguém acreditando em promessas tão palpáveis quanto o gnomo vegano que come a maçã esquecida na cozinha.

Ou a mulher de branco que vive nos banheiros de escolas de ensino fundamental do interior.

Como jornalista, já vi o bastante desta vida para ter severas dúvidas sobre o poder do pensamento positivo. Não, gente, não adianta mentalizar que as coisas não vão, necessariamente, acontecer. O segredo é que não há Segredo.

As pessoas dão crédito demais para isso, mas é quase a mesma lógica das jornadas de cura de algumas igrejas: você, que está doente, reza e traz o dízimo. Se curar (o que acontece em boa parte das vezes graças ao seu santo sistema imunológico, fruto de milhões de anos de adaptação evolutiva), o mérito é da igreja.

Se não curar, você que não teve fé ou não (se) doou o bastante.

Do meu ponto de vista, jornalista tem o dever de analisar as coisas por uma ótica "olha, caro governante, seu plano é lindo, mas se você inserir na história uma meia dúzia de anões ou um alce falante, não vira conto de fada?"

Dia desses, ouvi de uma colega na TV que nosso objetivo deveria ser "plantar sonhos" #vergonhalheia #ficadica

E falando em azia, eu deveria parar de assistir os telejornais da manhã.

Não por conta dos colegas de profissão – quem está com água até o joelho, com um microfone na mão, sonhando com um banho de anti-séptico para espantar a leptospirose, há muito deixou de transpirar otimismo. Mas por conta das entrevistas dos governantes que alternam pedidos de pensamento positivo pelas vítimas das chuvas e para que chova nos reservatórios secos que abastecem cidades como São Paulo e Rio.

Isso sem falar nas barragens secas de hidrelétricas, sob responsabilidade do governo federal, que ameaçam colocar mais apagões elétricos na cesta de desgraças de 2015 – que já começa cheia.

Além de falar besteira ou sumir do mapa, há outras opções:

– O governante aceita que não há muita coisa que fazer, assumindo que catástrofes e mudanças climáticas são inevitáveis, tornando-se um gerente de crise, contando mentiras e meias-verdades que nem ele ou sua equipe acreditam;

– O governante encara de frente o problema na época das vacas gordas, tendo como referência sempre o pior que pode acontecer. E o que é o pior neste caso: muita água onde não deveria haver e pouca onde deveria ter. Situações díspares separadas, não raro, por apenas alguns poucos quilômetros.

Quer saber como reconhecer um político que administra segurando a bandeira do otimismo e não a da Lei de Murphy?

Simples, é aquele que diz "a chuva, este ano, veio acima do esperado" ou "a chuva, este ano, veio abaixo do esperado". Todos os anos.

O correto seria ele dizer que a "chuva, este ano, veio acima/abaixo do limite que a gente torcia loucamente para ser respeitado e, agora, danou-se".

Lembro de um meteorologista dizer a um repórter uma vez:

"Colocam a culpa na meteorologia, mas nós avisamos com antecedência. Se os governantes não tomarem providências, todo ano vai ser a mesma coisa: enchentes, carros boiando, deslizamentos". Ou falta d'água, no caso do Cantareira ou do Paraibuna.

E não se está falando de sistemas de alertas e sim de políticas de habitação decentes, saneamento, contenção de encostas, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo – no caso de excesso de água.

E, ao mesmo tempo, ações para redução da perda de água em sua distribuição, construção de mais reservatórios, ação para educação da população quanto ao uso do recurso – no caso de sua falta.

Falhas, ou melhor, omissão, neste caso, custa qualidade de vida e um "foi mal, aí, não tinha como antecipar" não resolve.

Não precisamos de governantes federais, estaduais e municipais otimistas, que acreditam na possibilidade de controlar as chuvas, ou de administradores religiosos, que rezam por uma forcinha dos céus, terceirizando a responsabilidade para o Sobrenatural.

E sim de gente realista, que tem o perfil de alguém que espera sempre o pior e age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido, muito menos a estatística e a meteorologia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.