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Leonardo Sakamoto

Por que queimar pessoas que dormem na rua? Porque eu vi na internet

Leonardo Sakamoto

01/03/2015 10h27

Se algo causa impacto, é claro que será copiado.

E rapidamente, por conta da informação circulando em tempo real, seja via rádio e televisão, seja pela internet.

Manifestações ocupando ruas e avenidas levam a mais manifestações ocupando ruas e avenidas. O que pode ser bom.

Mas há o outro lado.

Notícias de pessoas em situação de rua sendo queimadas, como o caso que ocorreu na noite deste sábado (28), em Porto Alegre, levam a mais pessoas em situação de rua sendo queimadas.

Homossexuais e transexuais apanhando na rua levam a mais homossexuais e transexuais apanhando na rua. Fogo ateado em ônibus leva a mais fogo ateado em ônibus. E, claro, gente sendo amarrada em postes leva a mais gente amarrada em postes.

"Japonês, quer censurar a TV! Japonês quer censurar a internet!" Afe…

Não estou jogando a culpa no mensageiro ou dizendo que o mimetismo é a causa, mas temos certa parcela de responsabilidade. E não falo por conta da banalização da violência.

E sim de sua transmissão acrítica, como se notícias fossem neutras, não houvesse contexto social e todos os receptores da informação compartilhassem dos mesmos valores.

Não tenho muita esperança que conseguiremos fomentar um debate crítico sobre a nossa sociedade – ainda mais neste estranho ano de 2015. Aliás, começo a torcer para que o ano simplesmente passe logo. Pois o Brasil está virando arquibancada em momento de briga de torcida organizada.

Então, você amigo internauta, amigo jornalista, não transmita ou repasse aberrações sem questionar, pelo amor de Buda. Lembre-se que o seu apoio a um ato idiota – seja objetivo ou por omissão – não muda sozinho a opinião das pessoas, mas unido a outros apoios ajuda a formar uma percepção sobre o assunto.

Em suma, toda pessoa que ajuda a inflar monstros ao longo dos anos ou se omitiu diante disso tem uma parcela de culpa no show de horrores e de vergonha alheia.

Não somos nós que vamos a público cometer agressões. Da mesma forma que não é a mão de pastores ou deputados que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente que atacam gays e lésbicas. Mas somos nós que, muitas vezes, na busca por audiência ou para encaixar um fato em nossa visão de mundo, tornamos a agressão banal, quase uma necessidade para restabelecer a ordem das coisas.

Como diria a minha avó, meça suas palavras.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.