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Leonardo Sakamoto

Condenação de Levy Fidelix: não confunda opinião com discurso de ódio

Leonardo Sakamoto

16/03/2015 18h12

Um dos pontos mais baixos da campanha presidencial do ano passado (e olha que teve vários e de vários lados) foi protagonizado pelo candidato Levy Fidelix (PRTB), na madrugada do dia 29 de setembro, durante um debate na TV Record.

Questionado por Luciana Genro sobre direitos homoafetivos, ele soltou um rosário de impropérios que fariam corar até os mais fundamentalistas dos parlamentares religiosos. Afirmou que "aparelho excretor não reproduz", comparou homossexuais a quem pratica o crime de pedofilia e, ao final, conclamou: "Vamos ter coragem! Nós somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los".

A fala de Levy provocou reações de indignação, da Procuradoria Geral da República aos movimentos sociais.

Na sexta passada (13), o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Levy Fidelix a pagar R$ 1 milhão pelas declarações. À decisão cabe recurso.

A ação, movida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pretende destinar o recurso para a promoção de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Se tiver a sentença confirmada, Levy também terá que produzir um programa de TV com o objetivo de promover esses mesmos direitos com a duração dos discursos homofóbicos proferidos no debate.

"Não se nega o direito do candidato em expressar sua opinião, contudo, o mesmo empregou palavras extremamente hostis e infelizes a pessoas que também são seres humanos e merecem todo o respeito da sociedade", afirmou a juíza do caso, Flavia Poyares Miranda.

Como disse em um texto que publiquei na época do ocorrido, muita gente na internet confunde opinião com discurso de ódio. É um erro bem comum quando não se está acostumado às regras do debate público de ideias.

Retomar essa discussão neste momento de posições polarizadas e incapacidade de travar um bom diálogo sem injúrias, calúnias e difamações é saudável.

Na internet, o anonimato traz aquela sensação quentinha de segurança e, por conta disso, não raro, as pessoas extrapolam. Sentem-se livres de punição pelos seus atos.

Afinal de contas, na rede é menos simples (mas não impossível) identificar quem falou ou fez a abobrinha.

Mas vamos por partes: o direito ao livre exercício de pensamento e o direito à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição e pelos tratados internacionais que o país assinou.

E, da mesma forma, as pessoas também são livres para ter sua orientação sexual. Isso sem contar o direito de ver preservada a sua integridade física e psicológica.

Ou seja, o mesmo direito que Levy Fidelix tem de ter suas opiniões, as pessoas também têm de ver garantida sua dignidade.

Contudo, a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Porque não há direitos fundamentais absolutos.

Nem o direito à vida é. Prova disso é o direito à legítima defesa.

Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio e incitando à violência, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Pessoas como Levy Fidelix dizem que não incitam a violência. Não é a mão delas que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, "necessários", quase um pedido do céu. São pessoas como ele que alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

E o candidato foi bem claro em sua argumentação: "Vamos ter coragem! Nós somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los". Caberia bem em um filme sobre as Cruzadas ou a Inquisição, mas não em um debate presidencial, transmitido por uma rede de TV, que é uma concessão pública.

A solução é garantir uma convivência pacífica e educada das diferenças. O ideal seria ir além da tolerância, com as pessoas enxergando essas diferenças como uma coisa boa para termos uma sociedade mais plural e interessante. Porém, na atual impossibilidade disso, a tolerância já está de bom tamanho.

Mas, aí, temos uma informação importante: a liberdade de expressão não admite censura prévia.

Ou seja, apesar de alguns juízes não entenderem isso e darem sentenças aqui e ali para calar de antemão biografias, reportagens, propagandas, movimentos sociais, a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam.

E foi isso o que aconteceu. Levy quis falar, Levy falou. A Record, acertadamente, não cortou seu microfone.

Contudo, há o outro lado da moeda: as pessoas são sim responsáveis pelo impacto que a divulgação de suas opiniões causa. Como foi o caso de dirigir a um grupo específico (homossexuais) um sentimento de ódio, propondo a restrição de seus direitos e até sua extirpação social.

E toda pessoa que emitir um discurso de ódio, está sujeita a sofrer as consequências: pagar uma indenização, ir para a cadeia, perder o emprego, ter sua candidatura cassada.

Afinal, o exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se junto com sua raiva e ódio ao seu cantinho.

Por fim, a responsabilidade por uma declaração é diretamente proporcional ao poder de difusão dessa mensagem.

Quanto mais pública a figura, mais responsável ela deve ser. Quanto maior o megafone (no caso de Levy, foi a segunda maior emissora de TV do país), mais responsável ela deve ser.

Certamente há outros candidatos e candidatas que não concordam com a justa equidade de direitos entre heterossexuais e homossexuais. Mas, apesar disso, nenhum deles descarregou essa opinião para o telespectador. Não dessa forma.

Isso não é sinal de covardia dos outros. É sinal de estupidez de Levy.

Ou seja, o problema não é ter opinião. Muito menos declará-la. E sim como você faz isso.

De forma respeitosa ou agressiva? Privilegiando o diálogo de diferentes e buscando uma convivência pacífica, ou conclamando as pessoas para desrespeitar ainda mais aqueles vistos como diferentes por medo ou desconhecimento?

Discordo de quem afirma que é melhor que isso seja dito abertamente para mostrar o que ocorre no subterrâneo da sociedade. Porque isso não está no subterrâneo. Esse esgoto corre a céu aberto, dia a pós dia, dito e repetido exaustivamente, justificando atos de violência.

Vocês acham que as pessoas que ficaram indignadas com a ceninha feita por Levy no debate são a maioria da população? Sabem de nada, inocentes!

A maioria achou graça no que ele falou ou mesmo concordou com ele, tal como a plateia riu quando Alexandre Frota contou uma narrativa de violência sexual em um programa de TV.

Revelar o quê, portanto? O espelho no qual nós já nos vemos diariamente?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.