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Leonardo Sakamoto

Denúncia de fraude no exame de alunos de São Paulo

Leonardo Sakamoto

22/11/2009 08h07

Depois do vexame do governo federal com o vazamento e tentativa de venda de questões do Enem, agora aparecem fraudes do Serasp, o sistema de avaliação de matemática, língua portuguesa, história e geografia usado pelo governo paulista. A denúncia partiu da repórter Ana Aranha, especialista na cobertura de educação da revista Época.

Como a avaliação premia financeiramente as escolas melhor colocadas, há professores e diretores que deram uma ajudinha para os alunos acertarem as questões. Até apagar respostas e refazer provas para aumentar a nota média da escola teria acontecido. Ocorre que as fraudes, se vantajosas para os educadores, também o são para o governo estadual, que vai poder mostrar em ano eleitoral o salto de qualidade que a área viveu sob a atual administração. Ou alguém tem dúvida que, daqui a alguns meses, os resultados do exame vão aparecer no horário eleitoral em comparativos do tipo "veja como São Paulo é melhor do que…"

Segue um trecho da matéria:

Em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, uma inspetora afirma ter visto professores passar cola aos alunos na prova de matemática. Rozenaide Silveira, que trabalha na Escola Estadual Benedito Aparecido Tavares, conta que ouviu um aluno reclamando no corredor. "Ele disse que as professoras estavam ajudando a 8a série C", afirma Rozenaide. Ela diz ter visto as professoras fazendo contas na lousa e conversando sobre as questões com os alunos. Seu relato foi confirmado por três alunos da turma. "A professora explicou como fazer os cálculos", diz uma aluna. "Elas iam em cada mesa ajudar", afirma outra. "Teve uma que eu nem chamei. Ela chegou, virou a página da prova e disse como resolver a questão. A prova estava difícil, acho que só acertei essa." Rozenaide diz que avisou a coordenação e foi orientada a fazer "vistas grossas". Ela registrou tudo em uma carta enviada à diretora.

Diante da situação, o poder público deveria cancelar o exame. Mas se a prova funcionasse como deve muita gente sairia perdendo pelas razões já expostas. Talvez isso explique a inexplicável declaração do secretário estadual e ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza: "Se o caderno vazado estivesse nos jornais, o exame seria cancelado". Afe!

Caminhando por esse ponto de vista torto, o grupelho que tentou vender a prova do Enem também causou um problema localizado, uma vez que as questões não apareceram no Programa do Gugu e, por isso, o exame não deveria ter sido adiado como efetivamente foi.

Provavelmente, as escolas denunciadas pela reportagem vão ser investigadas e punidas. Mas quem lida com o tema sabe que esses não são casos isolados, mas espalham-se pelo estado (vale dar uma olhada nos comentários sobre matéria de Ana no site da Época). Um sistema criado exatamente para gerar esse tipo de distorção, contando com uma estrutura de fiscalização falha, em que professores da própria escola aplicam provas aos alunos – o que não poderia acontecer em hipótese alguma – pensando nos frutos financeiros. Mas se os docentes ganham algumas migalhas, o bônus político de uma boa avaliação para o governador Serra será bem maior. Portanto é dele a responsabilidade em combater as fraudes, tendo a coragem de cancelar o exame ao invés de jogar o problema para baixo do tapete.

E garantir que nada aconteça com pessoas como Rozenaide Silveira, a funcionária da escola de Franco da Rocha que teve coragem de dizer publicamente o que estava errado e que, provavelmente, sofrerá retaliações por isso. Já disse mais de uma vez: enquanto premiamos jogadores de futebol, nadadores e atores de TV como heróis nacionais, os heróis de verdade vivem na penumbra da sociedade por ela maltratados.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.