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Leonardo Sakamoto

Os Estados Unidos e o blá-blá-blá contra a pirataria

Leonardo Sakamoto

26/02/2010 00h03

Eric Holder, secretário de Justiça dos Estados Unidos, conclamou ao Brasil que aumente os esforços no combate à pirataria de softwares, vídeos, músicas, produtos eletrônicos. Ontem, em evento no Rio de Janeiro, disse que o "roubo de propriedade intelectual" é uma ameaça à segurança nacional de seu país.

De tanto ouvir e ver propagandas em rádios, TVs e cinemas que fazem o consumidor sentir-se um pedaço de lixo, financiador do tráfico de drogas, responsável pelo desemprego e pela fome no mundo, por não se atentar à origem dos CDs e DVDs que compra, creio que se faz necessária uma pergunta: empresas de software, gravadoras e a indústria do entretenimento em geral, muitas delas com sede nos Estados Unidos, aplicam o mesmo terror em suas relações comerciais?

Inexiste, por parte de muitas delas, uma política para evitar a compra de equipamentos eletrônicos (utilizados na criação de programas, gravação de músicas, filmagens de películas) que contêm crimes contra a humanidade e o meio ambiente em seu processo de fabricação. As únicas restrições que impõem são: que o produto tenha preço baixo e a qualidade técnica desejada. Enquanto isso, a indústria de aparelhos eletrônicos consome proporções cada vez maiores de minérios preciosos e raros encravados pelo mundo. Muitos desses metais são extraídos em minas de países pobres nas quais trabalhadores, crianças e adultos, enfrentam condições aterradoras. Ou comunidades são removidas para dar mais espaço para a mineração. Fora a contaminação da água e a poluição do solo.

Alguns vão dizer que é ilegal baixar músicas e copiar DVDs, mas comprar de quem escraviza e desmata para a produção de matéria-prima não. A resposta sobre o porquê de o mundo ser assim reside no fato de que, historicamente, as leis criadas para proteger a propriedade e o lucro são mais severas e efetivas do que as que foram implantadas para defender a vida e a dignidade. Por isso, não me surpreende que, durante a visita ao Rio, a redução de danos sobre impactos causados pelo consumo norte-americano ao redor do planeta não tenha sido uma das pautas.

Se o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e parte da poderosa indústria da informação e do entretenimento não podem comprovar para o consumidor comum de que o seu processo de produção é social e ambientalmente responsável, como é que eles vão exigir responsabilidade de nós?

A provocação não é uma apologia à pirataria, mas sim um saudável chamado à reciprocidade e à responsabilidade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.