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Leonardo Sakamoto

Condomínio explorava trabalhadores da construção civil em Campinas

Leonardo Sakamoto

02/03/2010 10h34

A propaganda do Primetown/Primeacqua, em Campinas (SP), realça um empreendimento imobiliário diferenciado que abriga um condomínio de apartamentos conjugado com um complexo comercial, rodeado por áreas verdes, repleto de estruturas de lazer e ecologicamente correto. A obra de mais de 500 mil m² é uma aposta das Organizações Sol Panamby, grupo empresarial do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia (PMDB). Contudo, o que não deve ter sido apresentado aos potenciais compradores dos apartamentos foi a situação daqueles que erguiam os prédios. Fiscalização da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Campinas (SP) flagrou cerca 20 trabalhadores da construção civil com salários atrasados e alojados em instalações precárias. A denúncia foi publicada aqui na Repórter Brasil pelos repórteres Rodrigo Rocha e Maurício Hashizume.

Contratados pela construtora Enplan, eles chegavam a trabalhar mais de 10 horas por dia para levantar os primeiros apartamentos do condomínio. Do total de 90 pessoas que trabalhavam na obra, 20 estavam em situação irregular, conta o auditor fiscal Mario Roberto Matallo, que esteve presente na fiscalização. Desde quando foram contratados em novembro do ano passado, os trabalhadores ganhavam apenas pequenos adiantamentos. As condições de higiene eram precárias, com pessoas dormindo no chão e alojamentos que alagavam durante a chuva. Ou seja, um empreendimento que conhece as regras e normas da construção civil não garante o mínimo de dignidade aos seus empregados. Considerando que o país vive um boom imobiliário, preocupo-me sobre que tipo de base estão sendo erguidas as fundações desse crescimento. Sangue, suor e argamassa?

O ato da compra é um ato político poderoso. Através dele damos um voto de confiança para a forma pela qual determinada mercadoria é produzida. Um exercício democrático que não é exercido apenas a cada quatro anos, mas no nosso dia-a-dia. E que pode ditar a qualidade de vida de trabalhadores em Campinas. Ou mesmo o destino da maior floresta tropical do mundo e de sua gente.

Tempos atrás, nós da Repórter Brasil junto com a Papel Social Comunicação lançamos um estudo mostrando como o consumo da cidade de São Paulo causava sérios impactos na Amazônia. Um exemplo de cadeia produtiva analisada foi a da Sincol. Com matriz em Santa Catarina e filiais em São Paulo, Paraná, Miami e Porto Rico, a Sincol estava entre as maiores empresas do setor madeireiro no país. Produz portas, janelas, batentes e casas pré-fabricadas, tanto para o mercado interno quanto para a exportação. A empresa controlava a madeireira Sulmap Sul Amazônia Madeiras e Agropecuária, sediada em Várzea Grande (MT), autuada por crimes ambientais e acusada de envolvimento em grilagem de terras.

A Sulmap, também fabricante de esquadrias e peças de madeira para instalações industriais e comerciais, foi acusada pelo Ministério Público Federal de envolvimento em grilagem de terras, uso de planos de manejo ilícitos e invasão de área indígena em Colniza (MT), onde fica a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo.

Nossa pesquisa mostrou, na época, que a Sulmap vendeu seus produtos florestais para ao menos duas grandes construtoras de São Paulo entre 2007 e 2008 – a Prese Empreendimentos Imobiliários e a Rovic Bahia Empreendimentos. Elas eram responsáveis pela construção de mais de 40 edifícios, muitos deles de alto padrão, localizados em bairros como Morumbi, Brooklin e Moema. Na época, a Sincol preferiu não se manifestar e a Rovic Bahia afirmou não ter relações com a Sulmap e comprar madeira única e exclusivamente da Sincol. A Prese Empreendimentos Imobiliários disse desconhecer qualquer problema da Sulmap com o Ibama.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.