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Leonardo Sakamoto

52 salários mínimos para trabalhar por quem mesmo?

Leonardo Sakamoto

15/12/2010 16h53

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram projeto que aumenta os vencimentos de deputados federais, senadores, presidente, vice-presidente e ministros para R$ 26.700,00 mensais. Esse valor representa mais de 52 salários mínimos. O mimo de final de ano passa a ser depositado em conta em fevereiro do ano que vem.

O PSol, na Câmara dos Deputados, defendeu que o aumento se restringisse a uma compensação pelas perdas inflacionárias. A senadora Marina Silva (PV-AC) seguiu a mesma posição.

Contudo, muitos deputados e senadores devem ter pensado: "Imagina! O que vocês pensam que eu sou? Um cidadão comum?"

A Folha de S. Paulo apontou, em matéria, que o reajuste significa um aumento de 61,8% para deputados e senadores e de 133,9% para presidente e vice, que passam a ter salários iguais. A inflação no mesmo período foi menor que 20%.

Representantes políticos precisam ganhar o suficiente para desempenhar com dignidade o cargo para o qual foram eleitos. E só. Se quiserem acumular para si e para os seus que se dirijam para a iniciativa privada.

Sabe o que me deixa mais tiririca da vida do que aumento salarial no apagar das luzes do ano, feito a toque de caixa? É que os nobres parlamentares não usam a mesma celeridade para discutir temas que parecem não ser do seu interesse. Se pelo menos tivessem o mesmo empenho que têm por si, pelos amigos ou por seu pequeno grupo social, poderíamos dizer: "ah, eles ganham, mas trabalham para a sociedade em geral".

Por exemplo, o Congresso Nacional tem repousado suas gentis nádegas em cima de projetos de leis que ajudariam a libertar e dar dignidade a muita gente. Como o que prevê que terras em que escravos forem encontrados sejam confiscadas – está engavetado desde 2004, aprovado no Senado e aguardando segunda votação na Câmara. Todos os partidos (com exceção do Psol) se juntaram para aprovar o aumento nessa casa. Imagine se fizessem o mesmo por essa proposta? Ou por projetos que dizem respeito ao fim do trabalho infantil? Ou do combate à exploração sexual de crianças e adolescentes? Ou do tráfico de pessoas? A lista é grande…

Demagogia? Pode ser. Mas a deles é maior. O fato é que a elite política está nua, aliás, sempre esteve. No máximo veste um tapa-sexo com os dizeres: "O último que sair apague a luz".

E aí tem gente que reclama, outros batem palmas mas, no final, o que é imperdível mesmo é saber quem vai morrer na novela das nove.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.