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Leonardo Sakamoto

Eike é o oitavo mais rico do mundo. E daí?

Leonardo Sakamoto

10/03/2011 12h01

Alguém me explica, por gentileza, porque tem gente que comemora que há um brasileiro entre os oito mais ricos do mundo, segundo a relação da revista Forbes? Se ainda fosse a companheira do empresário, seu parceiro no tênis, o poodle, acionistas, políticos que recebem doações de campanha, enfim, quem se beneficia diretamente com isso, vá lá. Mas, por Deus Nossa Senhora Jesus Maria José, que tipo de sentimento de transferência faz uma pessoa comum (o que inclui jornalistas, apesar de muitos não acharem isso…) festejar o fato de um um compatriota aparecer entre os mais endinheirados do planeta?

O fato de Eike Batista ter US$ 30 bilhões, e o país, como um todo, outros 30 que possuem na conta mais de 1 bilhão de razões para serem felizes, comprova que riqueza está sendo gerada. Ponto. Ou como disse o responsável pela relação divulgada, segundo boa matéria do UOL: "O crescimento dos milionários em nossa lista reflete o que ocorre na economia mundial. Mostra o crescimento do sentimento empresarial: a criação de riqueza aumentou no planeta". Só isso.

Inversão de valores estranha. É igual aquelas patologias de comemorar o brasileiro que tem o maior veleiro, a maior coleção de diamantes, a maior casa, enfim, uma competição com o resto do mundo – em que o "ter" é mais importante que o "ser". Além do mais, deveríamos guardar palavras doces para o país quando conseguirmos reduzir algo como a miséria e a fome e não quando colocarmos mais bilionários em uma lista.

Geração de riqueza não vem acompanhada, necessariamente, de redução de desigualdade social. Desigualdade de oportunidades, digo eu, daquele quinhão básico de Justiça que todos deveriam ter o direito de acesso simplesmente por nascerem homens e mulheres iguais em dignidade. A gente continua fazendo o bolo crescer, mas não a dividi-lo na mesma velocidade.

Cerca de 11,2 milhões de pessoas convivem com a fome no Brasil – um milhão delas, crianças de até quatro anos de idade, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), estima-se que 925 milhões de pessoas se deitem com fome todas as noites no mundo. Em ambos os casos, os números vêm caindo. Mas não na mesma velocidade com o qual cresce o número de bilionários.

Neste ano, a Forbes contou 1.210 deles após a entrada de 214 novos nomes – o que dá um aumento de mais de 20%. Enquanto isso, no Brasil, entre 2004 e 2009, a fome caiu 2,4 pontos percentuais. No mundo, entre 2009 e 2010, foi 9,5%.

Tudo bem, alguém vai dizer que isso é sazonal por aqui por conta dos bons preços alcançados pelas commodities nos mercados internacionais. A pergunta é: o trabalho está participando da divisão de lucros desse momento de ouro da economia na mesma proporção que o capital? E, por outra, quanto desse crescimento econômico não é feito de forma irresponsável, causando impactos em cima de populações que se tornam mais miseráveis?

Imagine se a fome caísse 20% ao ano? Seria um belo motivo para comemorar. Mas não. Há mais champanhe circulando por aí, mas a maioria segue não conseguindo comprar nem uma água com gás.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.