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Leonardo Sakamoto

Meio ambiente: discurso bonitinho, mas ordinário

Leonardo Sakamoto

11/05/2012 19h19

Entrevistar uma fonte que sabe lidar com a imprensa é interessantíssimo. E não estou falando de políticos ou empresários que passam por sessões de media training das assessorias e sim de pessoas comuns que percebem o que o repórter quer ouvir e vestem a fantasia de um personagem. Parte disso é deslize de nós, jornalistas, mas o mérito também é deles.

Como já comentei aqui e ali, acumulo histórias ouvidas ou vividas na estrada: a do chefe indígena ambientalista radical (que depois descobriu-se ser um dos maiores vendedores de madeira da região), a do catador de material reciclável que narrou uma verdadeira trajetória do herói para contar suas "desventuras" – para depois descobrir que ele mentiu descaradamente a fim de ajudar um repórter que estava com uma pauta-pepino nas mãos, a do escravo liberto que inventou filhos para ganhar empatia. Como a velocidade na linha de produção da imprensa dificulta aos operários da notícia irem fundo em biografias daqueles que entrevistam, o que fica, muitas vezes, é essa superficial conversa, construída sem o propósito de enganar o interlocutor. Apenas de tornar a vida mais interessante e palatável.

Tenho a impressão que, com pesquisas de opinião, ocorre a mesma coisa. Muitos respondem o que é mais socialmente aceito ou politicamente mais correto. Mas, na hora "H", optam pela saída mais confortável individualmente. A lei e as regras devem ser feitas para o coletivo, não para mim.

Isso ajuda a explicar porque muitos defendem a mudança no comportamento da sociedade para combater o aquecimento global, mas que, no sigilo do carrinho de supermercado, vão continuar comprando produtos danosos ao meio ambiente. Autointulam-se ecoconscientes, porque é bonito e pega bem (é hype, sabe?), mas sustentam uma pegada ecológica do tamanho de um quarteirão. Muitos são a favor de diminuir o crescimento econômico para combater as mudanças climáticas, mas quantos estão em priol da diminuição na geração de empregos não-verdes em setores poluidores?

No âmbito da disputa de discursos, a necessidade de garantir o futuro do planeta já está relativamente bem posicionado na sociedade brasileira, mesmo não sendo a sua prioridade principal. O problema é como esse discurso é usado ou absorvido. Por exemplo, muitos ruralistas dizem "não ao desmatamento" como peça de "greenwashing", a famosa lavagem de marca. Mas não explicitam as ressalvas – o que é igual àquelas propagandas de carros em que o cidadão vê apenas as "36 vezes de R$ 300,00", mas quando vai comprar quase tem um ataque cardíaco porque na letrinha miúda aparecem outras quatro parcelas intermediárias de R$ 4000,00 que o anúncio não informou. Ou seja, sem mais desmate na Amazônia, mas com um amplo e irrestrito perdão das burradas já feitas, e com a autorização para pôr o vizinho Cerrado abaixo, e com rios de dinheiro para manter a floresta de pé, e com a retirada de indígenas de lá…

Vi que, dia desses, saiu mais uma pesquisa mostrando que o brasileiro se preocupa muito com o meio ambiente (apesar de adotar bizarros comportamentos de consumo) e é contra a mudanças em leis que afetem a proteção ambiental, como é o caso do novo Código Florestal (mas elegem e reelegem o pessoal que provoca essas mudanças eleição após eleição).

Qualquer solução eficaz adotada vai passar por mudanças no comportamento de todos nós. Como diria Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência, "todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?" No Brasil, muito poucos. A maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto que se dane. Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria o "American Way of Life" que importamos, apenas reciclam latinhas de alumínio e dão três descargas a menos no vaso sanitário por dia. E, pior, votam no primo da Ritinha, parente da Lucinha, muito amigo da Jane. Ou no cara que o chefe disse para votar. Ou acreditam em promessas sem lastro, só por um discurso bonitinho, mas completamente ordinário, que não vale o esterco em que são adubadas.

E seguem respondendo de boca cheia que fariam de tudo para ajudar o meio ambiente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.