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Leonardo Sakamoto

Timor completa dez anos de independência com novo presidente

Leonardo Sakamoto

20/05/2012 11h41

Timor Leste completa dez anos neste domingo (20). Nesta data, assume a Presidência do país José Maria Vasconcelos, ou Taur Matan-Ruak, ex-comandante geral da guerrilha timorense que lutou contra a ocupação indonésia. Passa a ocupar um cargo que já foi de Xanana Gusmão, herói da resistência e hoje primeiro-ministro, e de José Ramos-Horta, prêmio Nobel da Paz, que deixa o poder.

Vales de Maubessi, interior de Timor Leste (arquivo pessoal)

Vejo sempre Timor com um misto de saudade, preocupação e de esperança. Nem me esforço para ter uma análise isenta quanto aquela porcão de terra entre os oceanos Índico e Pacífico (até porque análises isentas não existem). Seria perda de tempo. Estive por lá em 1998 para fazer uma reportagem sobre a luta do povo maubere pela autodeterminação. Depois, apaixonado pela ilha e seu povo, defendi um mestrado sobre as causas do sucesso da resistência. Sou brasileiro, mas quem conhece Timor de verdade, carrega aquele povo no peito por toda a vida.

Entrevistei Xanana Gusmão em duas ocasiões – a primeira na penitenciária de Cipinang, em Jacarta, capital da Indonésia, quando cumpria pena por tentar fazer do Timor um país livre (em 1998), e a outra em São Paulo, durante sua visita ao Brasil, em 2002. Otimista quanto às diferenças políticas, frisava que elas não deveriam ser ignoradas, mas eram levadas em conta para o desenvolvimento do país:

"Pergunta-me se superamos as diferenças. Permita-me que responda que espero que não. Este momento é o momento da vivência das diferenças. É na diferença que vamos crescer e amadurecer. É na diferença que vamos aprender o respeito democrático e enriquecer o nosso debate e as opções tão difíceis que temos de fazer nestes primeiros anos de independência. No que é fundamental e estratégico para o futuro do país, as diferentes forças políticas e da sociedade civil estão em acordo. Creio que este acordo é essencial… No resto, a diferença não só é desejável como saudável".

Futebol em praia de Dili, capital de Timor (arquivo pessoal)

Encontrei-me também duas vezes com o agora presidente Matan-Ruak. A primeira no acampamento central da guerrilha no interior de Timor Leste, em 1998 e, depois, no Brasil anos mais tarde. Fiquei alguns dias com a guerrilha, acompanhando treinamentos e discutindo a conjuntura do país e do mundo. No meio de selva, há 14 anos, perguntei o que iria fazer ao final da guerra:

"Pretendo trabalhar mais uma vez pelo povo do Timor. Pelos mutilados da guerra, os órfãos, as viúvas, ajudar a educar a nova geração que vai governar o Timor. Queremos, acima de tudo, um Estado bom, que auxilie a população. Confiamos em nossos líderes, mas exigiremos nossos direitos. Caso contrário, a gente vai para guerra novamente".

E, de certa forma, é uma guerra que Matan-Ruak tem pela frente, tão grave como aquela contra o invasor. Uma guerra contra a pobreza que atinge boa parte do país.

No dia 30 de agosto de 1999, 78,5% da população do Timor Leste votou a favor de sua autodeterminação e contra a integração definitiva com a Indonésia – o auge de 24 anos de resistência à dominação e guerra pela independência. A ocupação, mantida à força pelo governo do general Suharto, causou um dos maiores genocídios do século 20, com mais de 30% de timorenses mortos direta ou indiretamente pelo conflito – tendo como base o número de habitantes em 1975. Uma onda de violência tomou conta do país próximo à data desse plebiscito, quando grupos paramilitares armados pela Indonésia espalharam o terror entre os timorenses.

A luta pela independência criou bases necessárias para a formação e, principalmente, a manutenção de um Estado livre e autônomo. A resistência da população maubere à anexação com a Indonésia possibilitou que diferenças que bloqueavam a consolidação da união nacional fossem canalizadas em prol de um objetivo único. Ao mesmo tempo, criou e fortaleceu símbolos de uma identidade timorense – que antes não existiam.

Acampamento central da guerrilha timorense (arquivo pessoal)

As Falintil, a guerrilha timorense, ao contrário do discurso de analistas que gostam de taxar todos os exércitos de libertação nacional do pós Guerra Fria como grupos mercenários, não visavam à pilhagem, ao roubo e à dominação territorial. Até porque, a guerrilha era considerada as forças armadas de Timor, servindo à defesa de um projeto nacional e não ao favorecimento de um grupo ou de outro, ou de uma ideologia específica. Era composta por indíviduos de diversos grupos étnicos de todas as regiões da ilha.

A conjuntura internacional do pós Guerra Fria, com a diminuição da importância estratégica da Indonésia para os Estados Unidos, e a crise econômica do Sudeste Asiático no final da década contribuem um pouco para explicar o sucesso da resistência através do enfraquecimento do governo Suharto. Porém, o maior peso internacional veio dos grupos de pressão, munidos de informações fornecidas pela Resistência Timorense no exílio, que fizeram campanha para que seus governos interviessem junto à Indonésia por uma solução para o caso timorense.

No dia 20 de maio de 2002, Xanana Gusmão assumiu o cargo de primeiro presidente da República Democrática de Timor Leste, em uma festa que reuniu chefes de Estado e de governo de todo o planeta. A posse tinha um significado maior porque, ao mesmo tempo, os mauberes recebiam das Nações Unidas a administração total do seu território. Agora, dez anos depois, a ONU se prepara para retirar suas forças (composta de mais de 1300 policiais e militares) até o dia 31 de dezembro.

Diante de uma situação de terra arrasada, muitos se perguntaram na época se o Estado timorense conseguiria se manter frente aos desafios econômicos, sociais e políticos sem a tutela das Nações Unidas. Vieram graves crises, atentados, disputas internas. Mas engana-se quem reduz os conflitos em Timor a disputas étnicas, regionais ou religiosas e esquece o difícil processo político que tem sido a fundação do Estado timorense sob a miséria que atinge a maioria da população. Um dos países mais pobres do mundo, entregue à própria sorte durante a ocupação indonésia e transformado em ícone internacional da liberdade, hoje, passado algum tempo da comoção pela independência, foi praticamente deixado de lado na pauta da comunidade internacional. Justamente quando vive sua fase mais delicada.

Barco tradicional timorense em praia de Dili (arquivo pessoal)

Boa parte do povo maubere possui poucas perspectivas de um futuro melhor, os sistemas de proteção social estão apenas começando e faltam recursos para investimento. Além disso, o país é dependente do petróleo (o mar de Timor possui uma das maiores reservas do mundo), mas os recursos oriundos dele ainda demoram para chegar a toda a população.

Mas há uma geração inteira, filhos da ocupação, que lutou para obter a independência e, com isso, desenvolveu uma forte cultura de participação política. Esse capital acumulado tem sido muito útil para enfrentar esses desafios dos primeiros anos de liberdade e assegurar, enfim, a consolidação da democracia. Ou seja, diálogo.

A gente pobre daquela esquina do mundo enfrentou por um quarto de século um dos maiores exércitos do planeta sem o apoio de quase ninguém e venceu. É possível tirar algumas lições de lá para a nossa realidade. A periferia do mundo enfrenta um período decisivo. Se puder se unir em torno de um mesmo inimigo – a pobreza, suas causas e causadores – conseguirá também se libertar e ser realmente independente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.