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Leonardo Sakamoto

Você "dá a outra face" esperando ir para o céu? Não deveria

Leonardo Sakamoto

03/10/2013 16h20

Desculpe a agressividade do título deste post.

Foi um pensamento que brotou quando recebi o e-mail de um leitor, muito educado, diga-se de passagem, que me pediu para que aceitasse que nem tudo é possível de mudar neste mundo (o que concordo). E que, não sendo possível lutar de forma pacífica contra as injustiças, devemos aceitar as coisas como são (o que discordo). Pois grande será nosso galardão na vida após a vida.

Meu caro, agradeço a mensagem. Mas lutar de forma pacífica não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações. E, vale lembrar, o de barba (Jesus, não Marx), chutou o pau da barraca no Templo…

Não dá para compactuar com uma vida bovina, de apanhar por anos do Estado, e, ainda por cima, dar a outra face, engolindo as insatisfações junto com o macarrão regado à novela na TV.

Já escrevi muito neste blog sobre o que acho ser vandalismo de verdade, então não vou me repetir.

Mas leio reclamações da violência das ocupações de terras por povos indígenas – cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência. Muitos de meus leitores se perguntam, consternados: "por que essa gente simplesmente não sofre em silêncio?"

Muitas das leis desrespeitadas em protestos e ocupações de terra não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está.

Não estou defendendo o "olho por olho, dente por dente". Devemos usar os canais legais contra injustiças e o desrespeito aos direitos humanos. Mas nunca perdendo de vista que, por vezes, é o próprio Estado o violador desses direitos. O que fazer quando todas as instâncias de reclamação, nacionais e internacionais, são cumpridas e nada acontece? Sofrer em silêncio? Insurgir-se?

Pensando bem, retiro as desculpas pelo título. Ele não foi agressivo. Agressivo é você ser ensinado a aguentar calado uma vida de droga, esperando por um prêmio, em outra existência – que, até me provarem o contrário, não existe.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.