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Leonardo Sakamoto

Morre senador que era réu por trabalho escravo no STF

Leonardo Sakamoto

18/12/2013 19h37

João Ribeiro (PR-TO) morreu, nesta quarta (18), em decorrência de complicações de um transplante de medula óssea.

Dilma emitiu nota oficial, lamentando a morte do senador. Lembrou que ele teve origem humilde, foi engraxate, vendedor e trabalhou na roça. E ocupou o cargo de prefeito de Araguaína, deputado estadual e federal.

É claro que ela nunca colocaria no epitáfio de um político da base aliada o adendo "e utilizou escravos em sua fazenda". Mas este blog, apesar de respeitar a dor de amigos e parentes e desejar que eles encontrem conforto neste momento, acha um desserviço à humanidade a canonização dos mortos. Portanto, vamos aos fatos.

Por 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2012, que o senador João Ribeiro (PR-TO) devia ser réu em um processo que o acusava de ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na fazenda Ouro Verde, em Piçarra (PA), em fevereiro de 2004.

A ação que retirou os 35 trabalhadores envolveu o Ministério do Trabalha e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Estavam em alojamentos precários feitos com folhas de palmeiras e sem acesso a sanitários. De acordo com o MTE, como a fazenda é distante da zona urbana, os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentação na cantina do "gato" (contratador de mão-de-obra) da fazenda, com preços bem acima da média, ficando presos a uma dívida fraudulenta. Também eram cobrados pela utilização de equipamentos de proteção individuais (EPIs), cuja distribuição deve ser garantida sem custos pelo empregador.

De acordo com Humberto Célio Pereira, auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação que retirou as pessoas da fazenda do senador, a situação de moradia e saneamento eram degradantes. "Eles eram obrigados a comprar na própria fazenda equipamentos de trabalho e proteção, como botina, chapéu e luva [que pela lei devem ser fornecidos sem custo pelo empregador], além de terem seus documentos retidos, caracterizando condições análogas a de escravidão". Os empregados (entre eles, um jovem com menos de 18 anos de idade) preparavam a área para a atividade pecuária.

O senador figurou na "lista suja" do trabalho escravo – cadastro de empregadores flagrados ao utilizar esse tipo de mão de obra, gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Com isso, teve bloqueado acesso a recursos de instituições públicas de financiamento e sofreu boicote de empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Além disso, foi condenado na Justiça do Trabalho – decisão que foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho e, depois, em dezembro de 2010, pela 4a Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em primeira instância, a indenização que devia pagar foi fixada em R$ 760 mil, depois reduzida a R$ 76 mil na segunda instância.

Na época da decisão do TST, a assessoria parlamentar do senador divulgou nota afirmando que o Tribunal havia confirmado a "inocência de João Ribeiro" no caso, o que não condizia com os fatos. O acórdão da decisão do TST reiterou a caracterização do trabalho escravo análogo à escravidão e confirmou o envolvimento do político, condenado inclusive a pagar indenização por danos morais.

João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à escravidão, negação de direitos trabalhistas e aliciamento ilegal. Juntas, as penas podiam somar até 13 anos de prisão. Por causa do foro privilegiado do parlamentar, a decisão sobre torná-lo ou não réu foi do STF. Segundo Fonteles, "a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço".

Ao se referir, em discurso na tribuna do Senado, em 2004, a um outro caso de proprietário autuado por trabalho escravo no Tocantins, Ribeiro afirmou: "Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos".

Ribeiro disse também "Que as autoridades responsáveis pelo cumprimento das leis que elaboramos e defendemos intransigentemente no Senado da República, sobre o ótimo relacionamento entre capital e trabalho, se questionem sobre a postura que seus agentes têm adotado na apuração de supostas denúncias sobre a prática de trabalho escravo, para que não se repitam atos desesperados que, por fim, tirem a vida de homens trabalhadores".

Por fim, pediu "Que se multe, que se execute o que estiver errado, mas não da forma agressiva como estão fazendo, humilhando sorrateiramente os que trabalham. O setor que deu certo neste país".

No requerimento enviado à Procuradoria Geral da República, o senador alegou que as condições de higiene precárias encontradas nos alojamentos de sua fazenda não eram diferentes da realidade do município. Ele contestou também minuciosamente cada aspecto da denúncia usando os depoimentos dos próprios trabalhadores. Sustentou que nenhum fala sobre armas na fazenda que poderiam ser usadas para coagir os trabalhadores. Disse que eles não eram obrigados a pernoitar e poderiam ir e voltar à pé da cidade. Apontou que os depoimentos indicam uma jornada de trabalho normal, consideradas as horas extras legalmente permitidas. Garantiu que a comida fornecida gratuitamente não era ruim e os trabalhadores não eram obrigados a comprar na venda, tanto que as despesas pendentes eram menores que o salário diário dos trabalhadores.

O requerimento sugeriu ainda que há uma indústria da denúncia de trabalho escravo beneficiando trabalhadores com indenizações e seguro-desemprego. Acusou o grupo de fiscalização de "certa dose de má-fé ou de ausência de conhecimento" ao não descontar das pendências de pagamento os valores dos adiantamentos feitos na contratação. "As declarações dos trabalhadores qualificados com escravos pelo Ministério do Trabalho, quando contrárias ao empregador, devem ser analisadas com moderação e cautela redobrada, porque uma sutil mudança em suas declarações (espontânea ou provocada por alguém) poderá colocá-los numa situação financeira extremamente vantajosa, ainda que isso represente a incriminação do empregador", afirmou.

Votaram pela rejeição da denúncia os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e José Dias Toffoli – o mesmo Toffoli que, quando Advogado Geral da União, era o responsável por defender as fiscalizações de trabalho análogo ao de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, tendo feito um bom trabalho nesse sentido.

Com informações da Repórter Brasil e da Agência Carta Maior

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.