Quem ficou chato com o passar dos anos: você ou seus brinquedos de criança?
Lembro de que, quando pequeno, ao irmos para a "cidade" fazer compras (coisas de quem morava na periferia…), minha mãe alertava para nunca passar à noite e sozinho pela região das ruas General Jardim, Rego Freitas, Amaral Gurgel, entre outras do Centro de São Paulo. Afinal, quem sabia o "tipo de gente" que frequentava aquelas bandas? Hoje, conhecendo quem são, não posso negar que me sinto mais seguro com eles do que em parlamentos, alguns eventos corporativos ou mesmo certas festas de gente bonita em bairros bacanas.
A região é, hoje, apenas sombra da fama de pecadora que já teve no passado, mas ainda abundam clubes e boates – sem contar as profissionais e os profissionais do sexo que fazem ponto de forma autônoma por lá.
Passava das nove da noite quando cruzei uma dessas esquinas em direção a uma festa e me deparei com uma trouxa de roupa e um caminhãozinho de brinquedo com uma longa cordinha amarrada na frente, ajeitados cuidadosamente no meio da calçada. Em volta, ninguém parecia vigiar o montinho. Algumas travestis conversavam animadas de um lado da rua, enquanto outra se debruçava na janela de um carro grande e escuro, provavelmente acertando o preço do programa.
Por instinto, logo procurei uma criança. Será que ela estava limpando janelas de carros ou vendendo chicletes em algum semáforo? Ou seria uma família sem-teto que resolveu pausar por lá enquanto esperava que o comércio fechasse as portas e, enfim, poder se aninhar em alguma marquise? Exploração sexual de crianças ou adolescentes também passou rapidamente pela cabeça? Qualquer que fosse a alternativa pensada, sentia uma certa paúra no estômago.
Parei por alguns minutos para ver quem aparecia a fim de reclamar o caminhão basculante de plástico colorido e vagabundo, mas ninguém veio.
Segui em frente. Sabe como é… A esquerda, por vezes, gosta de carregar o peso do mundo nas costas, curvando-as a ponto de, não raro, caminhar olhando para o chão, pensando na razão dos problemas sociais, da desigualdade, da injustiça, da exploração do trabalho… enfim, vocês pegaram a ideia. Tem dia que eu não me aguento.
Na volta da festinha, quando o dia já era quase realidade, voltei pelo mesmo caminho a fim de responder a pergunta. O caminhão não estava mais lá. Nem a trouxa de roupa. Será que aquilo era lixo, levando pela coleta?
A caminho do ponto de ônibus, eis que vejo, em outra rua, uma travesti puxando o caminhãozinho pela corda com a trouxa de roupas na outra mão. Tinha cara de quem voltava para casa. Pelo sorriso no rosto, parecia feliz.
Ri alto. Sozinho. De mim mesmo.
Liguei, então, para a minha mãe e perguntei se havia sobrado algum dos meus carrinhos de plásticos, dos puxados por cordinha. Não, todos foram dados para crianças lá do bairro há muito tempo.
Que bom. E que pena.
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