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Leonardo Sakamoto

Dilma, Marina e Aécio a favor da ampliação do direito ao aborto

Leonardo Sakamoto

03/09/2014 12h47

Eu sei, eu sei… Foi uma manobra suja colocar isso no título do post. Mas queria tanto acordar de manhã, abrir o jornal (sim, sou antiquado, ainda leio papel às vezes) e me deparar com um título como esse.

E não apenas. Seria lindo constatar que eles se declararam contrários à adoção da pena de morte, à redução da maioridade penal e à prisão perpétua, e favoráveis ao direito à eutanásia, à ampliação dos direitos reprodutivos, à adoção de filhos por casais do mesmo sexo, à descriminalização do uso de maconha, ao direito da mulher ao próprio corpo, aos direitos das comunidades tradicionais.

Seja por anseio de igualdade, seja pela defesa do liberalismo.

Não estou dizendo que os partidos são iguais, longe disso. Apenas que há temas que encontram ressonância entre eles e que direitos humanos poderia ser um deles. O atual Programa Nacional de Direitos Humanos, por exemplo, é uma construção coletiva de PSDB e PT, desde 1996, com participação de atores que hoje estão na Rede e no PSB.

Reportagem, desta quarta (3), da Folha de S.Paulo mostra que Aécio reclamou que Marina plagiou trechos do PNDH de 2002, organizado sob o governo FHC. Como a efetivação dos direitos humanos não é monopólio de ninguém, fico feliz deles plagiarem boas propostas.

(Um pequeno detalhe contudo: a questão de tipificar de forma mais precisa o crime de trabalho análogo ao de escravo, presente no PNDH de 2002 e que foi usado no programa de Marina, já foi resolvido em 2003, com uma mudança do artigo 149 do Código Penal que trouxe os elementos que caracterizam o crime – o que atendeu às demandas das organizações sociais.)

Lula e Marina, em mais de uma ocasião, já declararam que não importa que eles sejam pessoalmente contrários a temas (como o direito ao aborto ou à união homoafetiva), estes devem ser encarados como política pública. Fernando Henrique defende a descriminalização de drogas como parte do combate ao problema, tornando-se, nos últimos anos, uma das principais vozes globais sobre o tema.

Então, bora fechar posição para uma plataforma mínima para que o país dê um salto no respeito aos direitos humanos? Sobraria tempo para debater outros assuntos relevantes.

Deixa o Pastor Everaldo falar sozinho sobre a tradição, da família e a propriedade. Ele, de tão trágico, é engraçado. Mas o pessoal dos partidos com chances de alcançar a Presidência deveriam ter um pouco mais de responsabilidade.

Qual a consequência para suas campanhas? Perderiam apoio dos aliados mais conservadores? Considerando a qualidade de muita gente que está do lado deles, isso seria uma benção, não um problema. Que tal um grande pacto dos três candidatos para garantir que Edir Macedo, Silas Malafaia e a Igreja Católica vivam em um Brasil realmente laico?

Perderiam eleitores que já votaram neles e afugentariam fundamentalistas? A perda seria para todos. Seriam abandonados por parte de seus correligionários? Duvido. A busca pelo poder move montanhas.

Afinal, ser uma democracia de verdade passa por atender aos anseios da maioria, mas garantindo a proteção da minoria.

Como já disse aqui, isso, é claro, está no plano da utopia, e soa a idiotice, porque a política real, cheia de traições e puxadas de tapete, não permitiria isso. Além do mais, a guerra campal e a baixaria já estão instaladas.

Por muitos, a porrada é e será a opção escolhida. E não duvido que vivenciemos novamente experiências bizarras da eleição de 2010, quando houve até crianças apanhando de coleguinhas nas escolas de classe média alta paulistana porque disse que o pai votou em uma pessoa diferente dos outros pais.

A campanha eleitoral tornou-se um momento complicado para a discussão de temas públicos relevantes, como direitos fundamentais – ao contrário do que a teoria afirma. É quando marqueteiros dobram a realidade, procurando mexer com a emoção e não a razão dos eleitores. Qualquer tema que seja visto com potencial de angariar ou tirar votos será tratado como um carro novo em anúncio de TV. E vendido como tal. Ou seja, a verdade sobre o objeto em questão é um mero detalhe.

Enquanto isso, Deus (se existir) deve pensar que fez algo muito errado para que as pessoas sejam tão mesquinhas com a felicidade do seu semelhante. Ainda mais em período de eleições.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.