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Leonardo Sakamoto

Eu suporto ofensa. O que não suporto é falta de criatividade

Leonardo Sakamoto

20/10/2014 13h49

Eu suporto xingamento, ofensa, calúnia. Eu suporto pessoas que me param na rua para falar mal dos meus textos e das opiniões. Eu suporto memes em que são usadas fotos em que pareço 20 quilos mais gordo e ressaltam meu cabeção. Eu suporto até quem me para na hora em que começa a tocar Florence na balada para tentar me convencer de que trabalho escravo não existe, mas é um delírio da minha mente doentia.

Mas o que eu não suporto é a falta de criatividade. Isso me deprime. Muito.

(Só não deprime mais do que a falta de interpretação de texto.)

Argumentar com suas próprias palavras, sem usar frases feitas que foram cunhadas sei lá aonde. Isso é pedir muito?

Creio que muitos perderam a capacidade analítica, sensação reforçada pelo período eleitoral.

Ao mesmo tempo, há algumas palavras-chave que ativam uma área violenta e primitiva do cérebro de alguns leitores na internet. Quando surgem, eles ignoram totalmente o contexto em que estão inseridas, deixam de lado a necessária ponderacão presente nos ambientes de diálogos construtivos e recorrem a uma frase feita. Para esse pessoal, a interpretação de texto funciona da seguinte forma:

Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá CASAMENTO GAY blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá.

Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL… Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá blá Blá blá blá blá

Por isso, resolvi fazer esta camiseta:

camiseta

Sim, eu sei que sou feio. E não, não tenho uma loja de camisetas.

Primeiro, para deixar claro que já li e ouvi tudo isso aí um milhão de vezes. Menos a do "aparelho excretor", mas achei que valia pela lembrança (#LevySaudadesSQN) Então, talvez usando-a na rua as pessoas pensem: "Pô, não vou falar isso para ele porque já tá na camiseta dele".

Mas ela também é um alerta: que você, amado e amada, ao soltar essas frases feitas, não está abafando. Pelo contrário, provoca vergonha alheia em quem pensa diferente de você ou igual a você. Ou seja, em quem pensa.

Não só porque elas são bizarras e carregadas do mais puro preconceito. Mas também porque são usadas nas redes sociais por quem não quer ou não consegue argumentar por conta própria e se protege atrás dessas bobagens. Usá-las mostra que você não consegue articular um diálogo por conta própria. O que é triste.

Numa era em que a busca pela garantia da identidade individual é tão importante, pessoas que as usam se dissolvem. Tornam-se nada.

Ser intelectualmente desconstruído por alguém que tem conteúdo é doloroso, mas edificante. Agora, ser "atacado" com frases assim mostra que você não tem nada de interessante a acrescentar. Apenas repete. E repete. E repete. Como deve ter feito a vida inteira.

É isso o que você realmente quer para você?

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.