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Leonardo Sakamoto

Acha o jornalismo que está aí ruim? O futuro pode ser bem pior

Leonardo Sakamoto

07/04/2015 22h26

Celebra-se, neste 7 de abril, o Dia do Jornalista.

Quando lembro disso, a única coisa que consigo pensar é "foda-se".

Não porque a atividade está acabando, pelo contrário, ela nunca foi tão necessária. Mas pelo fato da profissão em si estar em uma sinuca de bico tão complicada que é difícil querer comemorar algo.

E não estou falando das demissões em massa em grandes veículos que, feito Páscoa, Natal ou Dia das Mães, acontecem impreterivelmente de tempos em tempos. Ou a precarização trabalhista em muitos veículos pequenos.

Até porque jornalista raras vezes se enxerga como trabalhador e não gosta de se organizar. Na média, tem nojo de reivindicar melhores condições e ojeriza a paralisações. Sabe como é, a arrogância de se achar realizando uma "atividade essencial". Enquanto isso, faz beicinho para gari (atividade essa nada essencial…), que faz greve e ganha aumento.

Mas as mudanças tecnológicas que tiraram do jornalista convencional o monopólio da mediação da circulação de notícias e criaram estruturas de difusão que não dependem dos veículos tradicionais (como as redes sociais), se – por um lado – abriram oportunidades únicas para a democratização da comunicação, por outro, também criaram enormes desafios.

Gostando ou não deles, veículos tradicionais, independentemente de sua linha editorial, estão no espectro visível e operam à luz do dia. Podem ser responsabilizados judicialmente por algo errôneo, calunioso ou difamatório que divulgaram.

Contudo, a pulverização de veículos e páginas apócrifos, anônimos ou pertencentes a grupos que não se importam em ter sua reputação questionada tem contribuído para a formação incompleta ou deturpada de uma quantidade significativa de pessoas.

Acredito que parte da classe média que se informa apenas por WhatsApp e contas de redes sociais vinculadas a alguns desses sites passou a interpretar o mundo de uma forma, não raro, mais polarizada e agressiva que aquela que consome veículos tradicionais.

Até porque muitos desses veículos não querem informar ou debater, mas sim arrebanhar.

Antes que venha alguém com pensamento binário e diga que estou insinuando que as redes sociais são ruins, deixo claro que você não entendeu nada. Até porque a capacidade de difusão deste blog se deve, em muito, a elas.

O que estou dizendo é que o coração do jornalismo é a reportagem. Com fontes, passíveis de serem checadas. E uma reportagem não é um título, uma foto, um texto ruim e alguns links para sustentar os argumentos. Mas é um esforço de pesquisar, investigar, analisar um acontecimento dentro de determinados pontos de vista.

Há veículos com anos de estrada e outros nascendo na internet com essa perspectiva. E eles compõem boa parte da esperança que sustento na profissão – junto com os veículos tradicionais que conseguirem migrar suas plataformas de forma a garantir qualidade.

Mas desconfio que, mesmo eles, não serão suficientes.

Não são jornais e revistas, à esquerda ou à direita, que estão deformando a opinião pública – ao contrário do que bradam indignados de um lado ou de outro do espectro político.

E sim dezenas de páginas, contas e sites que correm no subterrâneo, muitas vezes sem fazer alarde. Que, um dia, já foram abastecidas pela mídia convencional, mas têm conseguido independência. E, sem medo de mentir, ferir e machucar, estão fazendo um estrago.

E as pessoas consomem sem fazer diferenciação entre o que é confiável e o que não é. Porque muitas pessoas não querem ser informadas sobre fatos (o que significaria um processo, não raro, doloroso de educação), mas sim obter argumentos para sustentar seus pontos de vista ou seus preconceitos.

Seja à esquerda ou à direita.

A solução passa pela formação de leitores para que possam separar o joio do trigo. Para que possam se questionar, a todo o momento, se a informação que receberam faz sentido ou se apenas uma fonte é suficiente para formar sua opinião. E que como encarar argumentos falaciosos.

O problema é que não há sinal de que isso será incorporado aos currículos escolares. Muito menos debatido com propriedade nas instituições responsáveis por levar adiante o pensamento hegemônico – escola, igreja, família e mídia.

Quem achava que o jornalismo que está aí é ruim que pense duas vezes. O futuro que se desenha, se nada for feito, pode ser bem pior.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.