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Leonardo Sakamoto

O Brasil precisa (urgente) de um punhado de bobos da corte

Leonardo Sakamoto

26/09/2015 18h39

Usamos a expressão "bobo da corte" pelo seu significado do palhaço que serve para entreter os poderosos. Mas esquecemos que muitos dos bobos que serviam a reis e rainhas na Idade Média europeia eram os únicos funcionários da monarquia com liberdade para criticá-la publicamente e saírem ilesos.

A acidez da sinceridade e a loucura da galhofa, que andavam de mãos dadas sob a tutela de um bobo, transformavam-no em um lampejo de racionalidade que podia ser útil ao governante – mesmo que ele não se desse conta disso.

Lembrando que Gil Vicente, no seu Auto da Barca do Inferno, já dizia no século 16 que os parvos, desprovidos de tudo, sinceros e sem malícia, são os que conseguem driblar o diabo e até injuriá-lo. Consideram-se ninguém e por serem honestos sobre si mesmos e o mundo, são conduzidos ao paraíso.

Já o nobre, o religioso, o juiz, o advogado e, é claro, o mestre de ofício, são condenados ao fogo do inferno.

São conhecidas as reclamações dos que conviveram no círculo próximo de Dilma com relação à sua dificuldade de encarar críticas. Certa vez, após uma análise contundente feita por um ex-ministro, ela deixou claro que não aceitaria ser "admoestada" daquele jeito. Perdeu um interlocutor importante com isso. São poucos os que fazem parte do seu entorno e têm a coragem de ter um papo reto com a chefe.

A incapacidade de entender que uma parte da insatisfação popular que corroeu sua popularidade se deve ao fato de que prometeu não torturar o andar de baixo e poupar o andar de cima como solução para a crise é um exemplo. Há outras saídas para a crise econômica, mas ela não ouve. E, surpreendentemente, não escute a si mesma nas propagandas eleitorais do ano passado.

Isso sem contar outros políticos de diferentes partidos que, não entendendo as manifestações de junho de 2013 (de natureza bem diferente das que acontecem em 2015), deram respostas de pouca valia para reformar a política. Encastelados em seus gabinetes, vivem de informações de puxa-sacos de plantão e de "fontes seguras de informação".

E, como estamos falando no Sobrenatural, vale lembrar do livro de Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2: "Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade".

Falta um bobo que não tivesse medo de ser decapitado, não só para Dilma como para boa parte dos administradores públicos brasileiros, autoexilados em sua vaidade, presos à sua arrogância, afastados do povo que os colocou lá – e que espera a adoção de medidas para que não perca o emprego ou passe necessidade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.