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Leonardo Sakamoto

Cinco dicas para sobreviver à crise brasileira sem surtar

Leonardo Sakamoto

04/04/2016 14h28

Tendo em vista o noticiário e a internet, nos últimos dias, seguem cinco breves sugestões para que possamos concluir o semestre podendo ainda sermos chamados de seres humanos:

1) Nunca desqualifique uma mulher por ser mulher. Redobre a atenção quando as críticas são a profissionais do sexo feminino – muitas vezes descambamos para a misoginia mesmo sem perceber dada à forma como o preconceito está banalizado em nossa sociedade e profundo em nossa formação. Isso vale para cidadãos ou veículos de imprensa, tradicionais ou independentes. Todo mundo diz que não é machista até o machismo ser útil para seu próprio argumento. Ou seja, o machista é sempre o outro, nunca nós mesmos.

2) Se encontrar com alguma figura pública da qual discorda em um espaço público, não xingue, não cuspa, não ameace, não soque ou chute, não invada a sua privacidade gravando vídeos e tirando fotos – a menos, é claro, que seja a denúncia de um crime em andamento. É claro que as regras aos cidadãos comuns, cuja privacidade deve ser mais respeitada, não se aplicam a atores políticos, mas existem formas e formas de demonstrar desaprovação. Abrir uma conversa dura, mas respeitável, dentro de uma escala humana de decibéis, é mais útil do que ter um ataque histérico ou moralista.

iluminado

3) "Tal pessoa foi violenta, mas ela também já não aguentava mais diante de tanta injustiça/corrupção neste país." Tenha certeza de que não é só você que está sob intensa pressão emocional por conta deste momento de crise econômica, política e social, seja contra ou a favor do impeachment/cassação/renúncia. Tanto que casos de depressão têm se avolumado em consultórios médicos. Mas imagine se todo mundo resolvesse ignorar as regras básicas de convivência social e partisse para a ignorância? Não teríamos mais um país. Então, pense muitas vezes antes de estourar e ser agressivo.

4) O seu ator ou atriz preferido também pode ter opinião política e todo o direito de demonstra-la em público, inclusive através de seu trabalho. Eles não devem ser agredidos e assediados por defenderem uma ideia que não incita o ódio. E não deveriam precisar suspender seus perfis em redes sociais, nem serem vítimas de ameaças na rua e ataques por guerrilhas virtuais. Se você não consegue conviver com o fato de que uma pessoa que você admira na internet, na TV, num livro ou no cinema tenha um posicionamento diametralmente oposto ao seu, o problema é contigo não com ele ou ela. Sugiro terapia.

5) Ao contrário do que as análises rasas querem vender, não existem apenas governistas, golpistas, "isentões" e alienados. Quem cria essas "caixinhas" e tenta encaixar mais de 200 milhões de brasileiros nelas faz isso por pressa e desconhecimento. Ou por interesse pessoal ou do grupo do qual faz parte. O posicionamento e a reflexão diante de uma crise dessas proporções é muito mais complexo do que meia dúzia de categorias. A saída para o país deveria passar por muito diálogo entre as diferentes partes, coisa que elas não têm sido capazes de fazer, incentivadas por suas torcidas organizadas – que fariam corar os mais indecentes hooligans e barrabravas.

Por fim, segue o lembrete de sempre: falta amor no mundo. Mas também falta interpretação de texto.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.