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Leonardo Sakamoto

Temer e eu: Os satanistas estão chegando

Leonardo Sakamoto

01/07/2016 12h28

Fiquei sabendo que um pastor reclamou nas redes sociais do meu satanismo.

Acho um verdadeiro absurdo líderes religiosos se meterem na vida dos outros. Ainda mais porque, ao contrário de muita gente por aí, eu nunca pedi o número do cartão de crédito de ninguém para bancar meus gastos. Os sacrifícios semanais de sete virgens em homenagem ao deus Baal que faço no porão de casa é custeado com rifas, crowdfunding e vendas de camisetas.

Outro leitor informou que após compartilhar um texto meu em sua lista de discussão familiar, seu tio armou um barraco porque não admitia conteúdo de um satanista. Tolinho, mal sabe o titio que o presidente interino que ele certamente ajudou a colocar no comando do país é um dos nossos.

Aliás, creio que essa é a única vez que vocês lerão eu me solidarizando com Michel – vítima do mesmo boato nas redes sociais. Pois, como disse Marx, nosso patrono: Satanistas do mundo, uni-vos.

Também já fui chamado de satanista na rua. O que você responde quando, do outro lado, está uma respeitável senhora, do alto da experiência de seus cabelos brancos? Simples: sorri, acena e deseja "que Belzebu também esteja com a senhora".

Outro que escreveu que faço a vontade de Satanás disse que meus textos são grandes pois preciso justificar o injustificável.

Meu amigo, convenhamos que a bíblia é bem maior que o Almanacão de Férias da Turma da Mônica e, com boa vontade, também poderia ser resumida a "Um ser supremo cria as pessoas – e elas se matam. Então, manda o filho para botar ordem na zorra e matam ele também. Mas o filho ressuscita e promete voltar pra passar a fatura". Mas, nem por isso, critico o seu Deus, critico?

Particularmente, prefiro ser alcunhado de satanista do que esse povo fundamentalista cristão me levar a sério. Outro dia, um pastor acreditou quando escrevi que, 15 andares abaixo do Templo de Salomão, no Centro de São Paulo, ficava um bunker onde o Super-Homem, o Homem-Aranha e personagens de Game of Thrones tramavam uma revolução comunista.

Gente, é sério, que preguiça… Tem um vídeo dele circulando na rede alertando à sua congregação sobre o risco. Daí quando eu disse que falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto, fui chamado por um seguidor dele de quê, de quê? Sa-ta-nis-ta.

Mas não pensem que acho isso ruim.

Satanista é o novo comunista.

Satanista é o novo subversivo.

Ser satanista é cool, é hype, é fashion.

As pessoas que gosto de ter ao meu lado na luta por um mundo melhor ou mesmo numa mesa de bar são várias vezes chamadas de satanistas. E aquelas que incitam a violência contra minorias, autoproclamam-se como representantes do divino e do sagrado e se consideram as portas de salvação para as nossas existências, não raro, são chamadas de santas.

Não acredito em vida após a morte, mas se o céu é formado por esse pessoal aí, ficarei feliz em passar a eternidade no inferno. Ao menos, é um lugar quentinho. E toca rock.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.