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Leonardo Sakamoto

Proibir "Fora, Temer!" ou "Fora, Dilma!" nas Olimpíadas é inconstitucional

Leonardo Sakamoto

07/08/2016 21h10

Pipocam aqui e ali histórias de pessoas que foram retiradas das arquibancadas enquanto assistiam aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro por estarem segurando mensagens políticas. De acordo com Eloísa Machado, professora de Direito da FGV Direito SP, doutora na área de direitos humanos e minha querida advogada, isso é "ilegal e inconstitucional". Ela publicou uma série de comentários sobre a "polêmica" que viralizou nas redes sociais. Trago-os aqui porque são mais do que úteis neste momento em que se justifica a suspensão de direitos em nome da "tranquilidade".

E um aviso a quem está circulando conteúdo equivocado: A lei que trata das manifestações em eventos esportivos não é inconstitucional, mas "Fora, Temer!" ou "Fora, Dilma!" não são ofensas que se enquadrariam na previsão dessa lei. Leia a discussão ocorrida no STF sobre o tema (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5136, do qual pinço um trecho no final deste post). O resto é interpretação. E um tanto de má fé.

Pode cartaz, sim!

1. Pode ou não pode levar cartaz nos jogos? Pode! Pode "Fora, Temer!, "Fora, Dilma!", "Fora, Galvão!", "Fora, eles tudo!" Pode ser colorido, com glitter, babado de crepom ou basicão.

2. Mas os "guardinhas" (aqui é uma categoria ampla, inclui brigadista, policial civil, PM, força nacional, exército, segurança privada e o Alexandre de Moraes, com ou sem espada) pedem para recolher e sair dos estádios. Bom, isso é ilegal e inconstitucional.

3. A Constituição Federal protege a liberdade de pensamento, de expressão e de manifestação. Manifestar sua preferência política é um direito. Não deixem os guardinhas tirarem isso de vocês.

4. Ah, então posso levar uma arma no estádio? Não, bocó. Posso levar bandeira nazista? Também não! Há limites para a liberdade de manifestação: não pode xingar o amiguinho, nem sugerir genocídio ou dizer que as pessoas têm que ser torturadas. Isso também está na Constituição.

5. Mas a lei das Olimpíadas e das manifestações não proíbem a manifestação política nos estádios? Não! Não proíbem! Leia a lei. Leia a lei! Facilito sua vida e coloco o link aqui.

6. Mas não foi a Dilma que sancionou essa lei? Sim, por isso você está livre para ir com seu cartaz "Fora, Dilma!"

7. Mas então tá rolando censura? Tá. Não tá tendo liberdade? Não, não está.

8. Mas o Comitê Olímpico Internacional disse que isso é para manter os estádios limpos (wtf?), as pessoas unidas e proteger os patrocinadores. Os patrocin….. Os patr…. Para tudo!  Ah tá, desculpa aí que a nossa crise política sem precedentes está atrapalhando. Quer que pare com a Lava Jato também? Que tal sitiar o morro? Claro, excelente! E se a gente suspender os direitos fundamentais durante os jogos? Nossa, ia facilitar muito, obrigada.

Foto: Reprodução/Mídia Ninja

Foto: Reprodução/Mídia Ninja

Em tempo: Trecho da fala do ministro Gilmar Mendes na discussão da medida cautela à Ação Direta de Inconstitucionalidade 5136: "Na verdade, nós não vislumbramos aqui nenhuma restrição que decorresse dessa imposição ou dessa legislação. Essa é a nossa visão. E até se explica, porque, nos itens que compõem o artigo 28, nós temos regras que, de fato, são claras, como, por exemplo, essa do inciso V – "não entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos" -, o que é, muitas vezes, de difícil implementação, mas, aí, sim, o que se quer vedar é a manifestação de racismo que, infelizmente, tem ocorrido nos estádios."

"De fato, é preciso que nós tenhamos também uma certa compreensão do que se diz no estádio, que a gente saiba que ali se empregam expressões figuradas. Ao chamar um juiz de ladrão, ninguém, de fato, está imputando ao juiz uma dada falta, senão a de que ele errou no lance. É preciso ter essa compreensão, como as vaias e os apupos também dirigidos a autoridades, às vezes, de maneira muito mais enfática, a rigor, também não são ofensas de caráter pessoal, elas são apenas manifestações de desacordo. Portanto, é preciso ter essa visão."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.