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Leonardo Sakamoto

Temer admite impopularidade e propõe leis que podem prejudicar trabalhador

Leonardo Sakamoto

22/12/2016 16h22

O governo Michel Temer apresentou os primeiros passos de sua reforma trabalhista, que será analisada na forma de projeto de lei pelo Congresso Nacional. O ponto principal divulgado, nesta quinta (22), é permitir que convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista, mesmo que isso signifique perdas aos trabalhadores.

Quando um sindicato tem força e capacidade de organização, ele consegue negociar com empresas ou setores e garantir boas condições para uma categoria de trabalhadores. Contudo, quando ele é pequeno e inexpressivo ou está mais preocupado com a cobrança de contribuições do que com a promoção da defesa dos trabalhadores ou quando ele é corrupto mesmo, o que puder ser flexibilizado pelos empregadores será flexibilizado.

Não são poucos os exemplo de sindicatos que não representam os trabalhadores, mas apenas seus próprios interesses: sindicalista que falsifica, do próprio punho, assinatura de trabalhador para justificar continuidade de cobrança de contribuições; que celebra acordos coletivos prevendo supressão do intervalo intrajornada para depois, como advogado de trabalhadores, propor ações;  com diretorias formadas por "laranjas" e sedes falsas para apenas lucrar com a boa fé alheia. Como garantir credibilidade a um acordo negociado com esses atores?

A legislação funciona, por isso, como um patamar mínimo de garantia para evitar "acordões" em que o trabalhador seja o principal prejudicado. O que inclui resistir à pressão sobre o limite de jornada, intervalos e pausas de trabalho, por exemplo. Ou a substituição de pagamentos salariais por indenizações e a possibilidade de diminuição do valor/hora do salário.

O "negociado sobre o legislado", em que a negociação coletiva se sobrepõe ao que prevê a lei trabalhista, já constava do "Ponte para o Futuro", programa de governo do PMDB. Na prática, o negociado já prevalece no sistema brasileiro, quando o resultado do diálogo entre patrões e empregados significar avanços – mas é barrada quando for no sentido de eliminar, reduzir ou adaptar negativamente importantes direitos estabelecidos.

O governo quer autorizar o "negociado sobre o legislado" em pontos como o parcelamento de férias anuais em até três vezes (com pagamento proporcional dessas férias), a forma de cumprir a jornada de trabalho até o total de 44 horas semanais ou 220 horas mensais, a participacão nos lucros e resultados da empresa, o não pagamento de horas gastas em deslocamentos do trabalhador para serviços em locais de difícil acesso, a redução do intervalo para almoço para 30 minutos, entre outros.

Vamos focar na questão das horas trabalhadas. Para uma jornada de 44 horas (normalmente, oito horas por dia de segunda a sexta e mais quatro, no sábado), que já é o limite semanal hoje, são permitidas até duas horas extras por dia, totalizando 56 horas. Claro que essas horas extras não podem ser frequentes dessa forma, caso contrário o empregador terá problemas com auditores fiscais e procuradores do trabalho. E, normalmente, são frutos de acordo coletivo. Mas esse é o limite teórico – lembrando que paga-se 50% a mais de remuneração por hora extra.

O governo federal está propondo que, se esse for o resultados de negociação entre patrões e empregados, a jornada poderá atingir 12 horas em um dia (a questão do pagamento de horas extras que ultrapassem as oito horas de teto não está claro), desde que se respeite 44 horas semanais ou 220 horas mensais.

O pacote também inclui a extensão do contrato temporário de trabalho de 90 para 120 dias, prorrogável por mais 120, entre outros pontos. Como o texto completo da reforma ainda não foi divulgado, não é possível saber a extensão do saco de maldades aos trabalhadores – que não será compensado pela possibilidade de saque de contas inativas do FGTS ou com a redução no juro do rotativo do cartão de crédito, medidas também anunciadas nesta quinta. Isso é migalha em comparação com a pedrada que significará a desregulamentação do contrato de compra e venda da força de trabalho no Brasil.

Temer resolveu assumir de vez sua impopularidade (junto à maioria da população) e tocar as reformas Previdenciária e Trabalhista, garantindo, dessa forma, a popularidade junto ao empresariado – única chance de se manter no poder apesar das denúncias de corrupção colorarem membros de sua administração na lama.

"Um governo com popularidade extraordinária não poderia tomar medidas impopulares. Estou aproveitando a suposta impopularidade para tomar medidas impopulares", confessou Temer.

Em outras palavras, apenas um governo que não foi eleito e que, por enquanto, não pode ser reeleito (por conta da lei da Ficha Limpa) e, por isso, não está preso à viabilidade eleitoral, é capaz de aprovar uma quantidade grande de propostas e projetos que retiram direitos sem a devida discussão com a sociedade em um curto espaço de tempo. Pois as centrais sindicais que se sentaram com o governo não representam o universo dos trabalhadores brasileiros.

"O governo acaba de ganhar um belíssimo presente de Natal", disse Michel Temer, nesta sexta, ao tratar da proposta de reforma trabalhista.

Seu governo sim. Já os trabalhadores…

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.