Topo

Leonardo Sakamoto

Morre Teori. E o tribunal da internet já decidiu: foi conspiração

Leonardo Sakamoto

19/01/2017 19h27

A causa da queda do avião em que estava o relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, nesta quinta (19), em Paraty (RJ), ainda será investigada. Por enquanto, não é possível dizer a causa – falha humana, imperícia, falha da máquina, condições metereológicas, sabotagem.

Mas a tragédia em si, atingindo um dos principais nomes do combate à corrupção, que estava analisando as delações premiadas de diretores da Odebrecht, o que afetaria centenas de políticos, aliado a outras informações, como a previsão regimental de que o novo relator da Lava Jato possa ser o próximo ministro do Supremo indicado por Michel Temer e confirmado pelo Senado Federal (que conta com um pacote de réus na própria Lava Jato), fez com que o tribunal da internet já decidisse: a morte foi conspiração.

Afirma-se, nas redes sociais, a relação da morte do então candidato à presidência da República, Eduardo Campos, também em uma queda de avião no litoral paulista, em agosto de 2014, com o acidente de hoje – o que mudou a disputa eleitoral daquele ano. O nome do político do PSB figurou entre os treding topics mundiais do Twitter. Abaixo, é claro, do nome de "Teori", que se tornou o principal assunto global nessa rede social. Acompanhado também da hashtag "House of Cards", através do qual brasileiros relacionavam a série de política do Netflix ao país.

Talvez esquecendo que o Brasil, faz tempo, passou a ser roteirizado pela equipe de Game of Thrones.

Claro que os cantos mais sombrios de nossa alma, neste momento, buscam juntar essas informações e dar sentido ao ocorrido. E é importante e saudável desconfiar de tudo e de todos e pensar em hipóteses. O problema é que, às vezes, a vida simplesmente não tem sentido para além do sentido que damos a ela.

Se há um exército que retuíta, compartilha e dá "like" sem checar a informação, é claro que também existe uma miríade que preenche o vácuo de informações fragmentadas com suas fantasias para dar sentido à sua existência. Nesse contexto, mais importante que ser guiado racionalmente por conteúdo é se deixar levar pela emoção.

Não que conspirações não existam, porque existem. Mas são importantes demais para que o impacto de sua descoberta seja enfraquecido pela sua banalização no cotidiano sem graça. Quando a gente questiona afirmações categóricas de conspiração, temos que ouvir que somos vendidos ao sistema e que, graças à internet, a verdade que queremos encobrir não ficará mais escondida. Porque, como afirmaria o agente Mulder, em Arquivo X, a verdade está lá fora.

Uma mentira contada repetidas vezes para os outros vira verdade e, para si mesmo, torna-se religião. Se a mensagem está bem estruturada, usando elementos simbólicos comuns ao universo do destinatário, que ele consegue consumir facilmente, e que faz algum sentido, por que não acreditar? Ainda mais porque questionar com profundidade leva tempo, commodity que está cada vez mais difícil juntar.

Por outro lado, o mundo sem teorias da conspiração seria menos divertido e romântico. E teríamos que assumir muitas de nossas responsabilidades sem jogar a culpa no desconhecido, no oculto, no sobrenatural, no estrangeiro.

É salutar que o porquê das coisas seja questionado à exaustão a fim de que todas as versões dos fatos sejam postas à mesa. Mas se, muitas vezes, aceitamos os discursos oficiais bovinamente, também fazemos isso com teorias conspiratórias. Na dúvida, cheque com outras fontes, verifique a informação. Não seja preguiçoso. E tenha paciência. Apurações sérias levam tempo.

Caso contrário vamos criar uma geração de idiotas que acreditam em qualquer vídeo picareta ou em informações bombásticas em sites e páginas bonitinhos, mas tão profundos quanto alguns programas vespertinos na TV.

O que temos, por enquanto, é que um servidor público dedicado (que era um dos grandes magistrados brasileiros e merece todo nosso respeito) e uma figura relevante na atual conjuntura do país perdeu a vida, entre outros tripulante e passageiros de uma aeronave que caiu na baía da Ilha Grande, em Paraty. O que há de se lamentar. As investigações devem apontar qual razão ou quais razões levaram à queda da aeronave. E jornalistas devem ajudar nesse processo, cavando e procurando até o osso. E, talvez, nem consigam e nunca saberemos ao certo.

E ficar de olho, claro, em quem ficará com a relatoria da Lava Jato. Ou seja, se os próprios réus e citados escolherão seu principal julgador.

Mas, enquanto isso, muita gente já elaborou o seu complô. Piorando a enxurrada de besteiras que fluem de forma despudorada, situação que torna difícil manter a sanidade nesse país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.