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Leonardo Sakamoto

Por transparência, Doria precisa divulgar lista de doadores a São Paulo

Leonardo Sakamoto

24/02/2017 11h00

Desde que assumiu a Prefeitura de São Paulo, João Doria (PSDB) tem entrado em contato com empresas e pedido doações de produtos e serviços ao município. Carros, motos, manutenção de equipamentos públicos, iluminação, remédios – a lista é longa. A justificativa é de que o setor empresarial, que ganha muito com a cidade, pode contribuir com ela, agilizando e reforçando ações da administração pública.

Promover uma cultura de doação, muito fraca entre empresas e pessoas no Brasil, é saudável. Contudo, o fomento da participação da iniciativa privada, apresentado como uma das soluções para a falta de caixa, pode, se não feito com muita transparência, gerar outros problemas. Transparência de critérios e de informação sobre essas doações que não estão claras neste início de mandato.

As empresas doadoras têm recebido exposição sobre suas doações e parcerias não apenas nos canais de comunicação da Prefeitura e nas redes sociais do prefeito, mas também nos veículos da mídia tradicional e alternativa. Doações sem contrapartida formal foram a experiência inicial. A partir de agora, o governo vai começar a explorar a visibilidade das marcas envolvidas.

A Secretaria de Gestão publicou no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, deste sábado (18), o Edital de Chamamento Público 01/2017. A partir de 20 de fevereiro, ela passa a receber inscrições de pessoas físicas e jurídicas que tenham interesse em doar "bens e serviços necessários para a Prefeitura". No item 1.1, o edital afirma que "o poder público poderá autorizar a inserção do nome do doador no objeto doado ou em material de divulgação". Os critérios de composição e de seleção da Comissão de Avaliação de doações, prevista no edital, não estão claros, nem definidos.

João Doria, à frente de sua empresa Lide, organizou, durante anos, eventos para aproximar políticos de empresários – cobrando muito bem por isso. Por mais que a atividade de lobby seja formalmente proibida por aqui, ela existe normalmente, mas sem um marco legal com obrigações para possibilitar um mínimo de transparência em objetivos e atividades, como ocorre nos Estados Unidos.

Em janeiro deste ano, como foi revelado pela Folha de S.Paulo, a Lide, que, agora, está sob gestão de sua família, enviou a empresários um e-mail pedindo dinheiro para financiar um almoço-debate com líderes empresariais e um político – o que tem sido um dos carros-chefe da empresa. Dessa vez, porém, o político era o próprio João Doria, que iria falar da gestão de São Paulo. Quem pagasse uma cota de patrocínio de R$ 50 mil poderia se sentar na mesa com ele. E as empresas parceiras poderiam exibir logos no palco do evento. Após a repercussão negativa sobre o conflitos de interesse de uma ação como essa, Doria afirmou que não participaria do evento.

Com o aumento no número de pedidos de doações para empresas, discute-se se as ações do prefeito no sentido de transportar o sucesso estabelecido em suas atividades quando estava no setor privado para a Prefeitura de São Paulo não acabam esbarrando em problemas éticos. Se elas não esgarçam a saudável separação entre público e privado – relações que podem existir, desde que mantenham a independência de cada lado.

O direito público possui uma diferença fundamental com o direito privado. Empresas e população podem fazer tudo o que não é expressamente proibido em lei. Governos, pelo menos em tese, não podem fazer nada que não é expressamente autorizado em lei. E pelo que revelam relatos vindos de funcionários públicos da Prefeitura de São Paulo com quem este blog conversou, parte da equipe da atual gestão, oriunda de empresas, tem encontrado dificuldade em entender as balizas da administração pública.

É possível evitar que as doações de obras, equipamentos e serviços para o município de São Paulo não se tornem, voluntaria ou involuntariamente, um grande tráfico de influência?

Uma solução radical seria impedir empresas que doaram por solicitação do prefeito ficassem de fora de licitações e concorrências para fornecimento de produtos e serviços ao município na mesma área da doação. E as que já possuem contratos, ficassem impossibilitadas de fazer aditamentos (aumento) de valores.

Na mesma linha, seria a proposta de que empresas doadoras também não pudessem participar do "maior programa de privatização" da história da cidade – que é como a Prefeitura está anunciando o seu grande pacote de vendas e concessões, que inclui o estádio do Pacaembu, o autódromo de Interlagos, o Anhembi, o Bilhete Único, Mercados e Parques Municipais, a Iluminação Pública, os Terminais de Ônibus e até o Serviço Funerário. A mesma proibição se estenderia para os sócios com poder de voto e controladores dessas companhias.

Essas soluções, contudo, são praticamente inviáveis, pois licitações são regidas por uma lei federal, a 8666/1993. Impedimentos como esses, não previstos em seu texto, seriam considerados tentativas ilegais de excluir empresas da competição sem uma justa comprovação de ilícito.

Mas o que a Prefeitura poderia fazer desde já é publicar uma lista com as obras, equipamentos e serviços doados, qual o seu valor e se as empresas doadoras participaram de processos de concorrências, licitações, concessões e privatizações. Essa lista também deveria conter links para acessar os negócios jurídicos da empresa com a Prefeitura: se ela está tentando licenciar um empreendimento, se possui processos por questões ambientais ou com relação ao plano diretor, se possui pendência de multa ou recurso à fiscalização, por exemplo. E, importante: se a doação foi feita de forma espontânea ou após pedido do prefeito ou de seu secretariado.

Um link para essa lista poderia estar na home do portal da Prefeitura de São Paulo. Nela estaria, por exemplo, os dois quadros de Romero Britto que o próprio João Doria doou à Prefeitura e uma televisão de 75 polegadas, presente de uma rede de eletroeletrônicos, para o seu gabinete. Hoje, isso vai sendo divulgado de forma esparsa pela Prefeitura e sem todas as informações citadas acima, importantes para o monitoramento da coisa pública pela população, sociedade civil e Ministério Público.

O objetivo disso não é criminalizar ou afastar doações, mas garantir transparência. Afinal, a luz do sol é um bom desinfetante e nos livra de doenças.

Neste mês de fevereiro, o prefeito envolveu-se em uma polêmica nessa área. Em um vídeo curto, emprestou sua credibilidade junto ao seus seguidores em redes sociais e fez propaganda de suplementos vitamínicos da rede Ultrafarma. O proprietário, Sidney Oliveira, havia formalizado uma doação de um cheque de R$ 600 mil para que a Prefeitura comprasse remédios para a rede municipal de saúde.

É difícil mensurar se a promoção realizada pelo prefeito é maior do que o valor da doação (o vídeo viralizou, divulgado nas redes sociais de Doria, que conta com milhões de seguidores). E essa nem é a discussão principal. Parcerias entre o público e o privado podem ser bem vindas, como já dito aqui. Mas a moralidade desse tipo de ação porosa entre ambos os lados é questionável. A Prefeitura disse, segundo reportagem do UOL, de que a doação não envolveu contrapartida, apesar da contrapartida.

Garantir transparência e critérios para doação é a melhor forma das empresas demonstrarem que sua ação foi apenas pelo bem comum do município e não a compra de uma facilidade futura. E do prefeito deixar claro que não existe tomaladacá em São Paulo, que a escolha dos doadores é um processo público e impessoal e que não há represália ou favorecimento a quem diz "não" ou "sim" aos seus pedidos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.