Topo

Leonardo Sakamoto

Proposta de aposentadoria aos 65 anos escancara dois países chamados Brasil

Leonardo Sakamoto

06/03/2017 15h24

"Não dá para pensar em não ter idade mínima de 65 de jeito nenhum." A declaração do relator da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), vem reforçar a proposta da equipe econômica do governo Temer.

A Reforma da Previdência, tal como está proposta, escancara a existência de dois Brasis.

Um que pode arcar com a imposição de 65 anos como idade mínima para aposentadoria e 25 anos como tempo mínimo de contribuição, pois começa a trabalhar mais tarde e consegue viver mais.

E outro que pula de serviço informal em serviço informal, destrói a saúde em trabalhos braçais e jornadas extenuantes e vive em regiões com expectativa de vida pouco maior que esses 65 anos. Para esse Brasil, a reforma pode significar o adeus à aposentadoria. Pode deixar claro que sua função, neste mundo, é de carregar o sistema para outros aproveitarem. Como os que vivem dos juros da dívida do país, pagos também com recursos do caixa da Previdência.

Esse Brasil começa a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já corta 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queima-se produzindo carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpa pasto ou colhiam frutas sob um sol escaldante. Ou carrega pesados sacos de 50 kg de cimento, caindo de andaimes na construção civil.

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem a Previdência Social podem e devem passar por discussões. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem radicamente as regras do jogo no meio de uma partida e garantam dignidade aos mais pobres, elas podem passar também por uma atualização.

Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo.

Um Brasil, que engloba sua elite política, está condenando o outro Brasil – que acredita na propaganda enganosa do primeiro ou que chega muito cansado em casa para ter forças e protestar – a trabalhar até morrer. Literalmente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.