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Leonardo Sakamoto

Se cometer mais gafes, ministro da Saúde pode pleitear vaga de presidente

Leonardo Sakamoto

16/03/2017 19h57

Talvez em outro governo ou outro país, Ricardo Barros (PP-PR) não teria sido escolhido como ministro da Saúde por não ser da área. Ou, se escolhido fosse, já teria sido retirado do cargo por conta de suas declarações desastrosas e de sua visão da Saúde, que não privilegia o sistema público. Mas, por aqui, se ele atender às demandas de seu partido (envolvido em casos de corrupção) e de certas empresas, que querem que o país siga o curso da privatização da Saúde, terá cumprido seu papel.

Pensando melhor: o que para alguns são gafes e sincericídios, para muitos outros são belas verdades sobre o mundo. Penso que, portanto, ele poderia pleitear uma eleição indireta à Presidência da República. Abre o olho Michel "Mulher-Orçamento-Doméstico-de-Supermercado" Temer…

Abaixo, cinco vezes em que Ricardo Barros provou que quer ser presidente:

Quando ele explicou que se crianças não comem alimentos saudáveis, é por conta das mães, não dos pais:

"Hoje as mães não ficam em casa, e as crianças não têm oportunidade, como tinham antigamente, de acompanhar a mãe nas tarefas diárias de preparação dos alimentos. E vai ficando cada vez mais distante a capacidade de pegar um alimento natural e saber consumi-lo." (Março de 2017)

Quando ele ignorou dados da ONU e do governo que mostravam mulheres trabalhando mais do que homens ao se somar o tempo de serviço doméstico:

"Eu acredito que é uma questão de hábito. Os homens trabalham mais, são os provedores da maioria das famílias e não acham tempo para a saúde preventiva" (Agosto de 2016)

Quando ele esqueceu que é o chefe do SUS e mostrou que um de seus doadores de campanha, empresário da área da saúde privada, pode nele confiar:

"Quanto mais gente puder ter planos [de saúde], melhor porque vai ter atendimento patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do Governo em sustentar essa questão." (Maio de 2016)

Quando ele, ao tratar da liberação da fofoetanolamina, a polêmica "pípula do câncer", mostrou que não precisa entender de saúde pública para cuidar de sua pasta:

"Pessoalmente, acho que na pior das hipóteses é efeito placebo. Dentro dessa visão, se ela não tem efetividade, mas se as pessoas acreditam que tem, a fé move montanhas." (De novo Maio de 2016)

Quando ele foi questionado sobre o fato da Saúde ser um direito universal previsto na Constituição Federal de 1988:

"A Constituição cidadã, quando o Sarney promulgou, o que ele falou? Que o Brasil iria ficar ingovernável. Por quê? Porque só tem direitos lá, não tem deveres. Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina." (Mais uma vez Maio de 2016 – o que prova que ele chegou chegando.)

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.