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Leonardo Sakamoto

Terceirização e Reforma Trabalhista podem piorar situação da Previdência

Leonardo Sakamoto

23/03/2017 10h40

O projeto de lei que permite a terceirização de todas as atividades de uma empresa, aprovado nesta quarta (22) pelo Congresso Nacional, têm, junto com a Reforma Trabalhista e a proposta de Reforma da Previdência do governo federal, potencial para piorar a situação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) – responsável pelo pagamento de aposentadoria e benefícios aos trabalhadores do setor privado. As mudanças devem reduzir a contribuição de trabalhadores e empresas ao caixa previdenciário.

É o que afirmam Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho, e Marcus Orione, professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ligado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, em entrevista para a TV UOL.

"Um jovem que perceba que, para se aposentar com 65 anos, tenha que entrar no mercado de trabalho aos 16, contribuindo durante quase meio século, ininterruptamente, para conseguir se aposentar, vai pensar 'se eu não vou usar, para que vou pagar então?' Você vai ter uma camada enorme de pessoas que talvez não entre no sistema. Se você somar as expulsões que vão vir por conta do mercado de trabalho e as migrações por conta da privatização do sistema, pode criar para daqui a dez, 20 anos uma subtração brutal de receitas", afirma Fagnani.

O governo Michel Temer propôs mudanças radicais na aposentadoria de milhões de brasileiros. Sob a justificativa de que a Reforma da Previdência Social deve ser aprovada do jeito que foi enviada ou o Brasil caminhará para o juízo final, a proposta inclui a imposição de uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, 49 anos de contribuição para obter aposentadoria integral e fim da aposentadoria especial para trabalhadores rurais.

Poucos questionam que mudanças no sistema de Seguridade Social são necessárias. O sentido e o alcance dessas mudanças é que estão em disputa neste momento. Mas é importante ouvir posições contrárias às propostas do governo para entender o que não está sendo considerado no debate ou mesmo como a falta de planejamento pode fazer com que as reformas não dialoguem entre si.

Os melhores momentos da entrevista estão divididos em quatro blocos:

Bloco 1 – A Previdência tem um rombo?

De acordo com eles, o "déficit" da Seguridade Social (R$ 258,7 bilhões/ano) ocorre porque a União, de forma inconstitucional, considera as aposentadorias do funcionalismo público federal como parte integrante da Seguridade Social – que envolve a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde Pública (incluindo o SUS). Segundo os entrevistados, isso mostra o desprezo do governo federal com a Constituição.

Bloco 2/4 – Os problemas da Reforma da Previdência

Segundo os entrevistados, é um erro igualar as idades para aposentadoria de homens e mulheres, como propõe o governo. E não é correto tentar inspirar a reforma brasileira em países desenvolvidos, porque o Brasil não conseguiu resolver sequer as desigualdades sociais do século 19. A mulher, por aqui, trabalha por semana cerca de 8 horas a mais que o homem devido o trabalho doméstico (valor não remunerado). E políticas públicas, como creches, não são disponibilizadas a todas as famílias.

Bloco 3/4 – O povo vai conseguir contribuir por 25 anos?

Para Eduardo Fagnani e Marcus Orione, a proposta do governo está igualando todo mundo a um mínimo de 65 anos, com 49 anos de contribuição para aposentadoria integral e 25 anos para parcial – homens, mulheres, rurais, urbanos, servidores públicos e empregados do setor privado. Enquanto isso, nas regiões mais pobres do país, de 65 a 70% do mercado de trabalho é informal, a rotatividade é muito grande e as pessoas contribuem por oito ou nove meses, pois não conseguem ficar no trabalho o ano inteiro.

Bloco 4/4 – Quais alternativas à Reforma da Previdência do governo?

Marcus Orione defende que, neste instante, a pauta tem que ser a devolução à classe trabalhadora da dinâmica da construção de uma política pública que interesse aos próprios trabalhadores. "A minha pauta de solução passa necessariamente pela produção acadêmica, pelos movimentos sociais, pela luta social. Sem isso não tem solução possível." Já Eduardo Fagnani afirma que é possível garantir sustentação financeira da Previdência se a Constituição da República for cumprida e, ao mesmo tempo, isenções forem revistas, sonegação devidamente combatida e o governo realmente contribuir ao invés de retirar do caixa. "Não vamos resolver nenhum problema do país se não enfrentarmos as inconsistências do regime macroeconômico brasileiro. O problema fiscal brasileiro não é o chamado gasto primário em Saúde, Educação, Previdência. Entre 2015 e 2016, a dívida bruta em relação ao PIB cresceu 10% – 1,8% foi com os gastos primários, o restante são os juros. O problema fiscal brasileiro é a despesa financeira."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.