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Leonardo Sakamoto

Temer confia em suicídio eleitoral do Congresso pela Reforma da Previdência

Leonardo Sakamoto

23/06/2017 12h39

Vendo que a extremamente impopular Reforma da Previdência subiu no telhado após os (novos) escândalos de corrupção e que o número de deputados federais com tendência eleitoral suicida em sua base pode não ser suficiente para aprova-la, o governo federal diz que aceita ceder mais um pouco. Mas, pelo que circula na imprensa, o Palácio do Planalto continua oferecendo migalhas, preservando o núcleo da reforma (e também o maior pepino ao trabalhador): o aumento para 25 anos de tempo mínimo de contribuição para que se possa alcançar a sonhada aposentadoria.

De acordo com a última pesquisa Datafolha divulgada, 71% da população brasileira é contra a Reforma da Previdência. Pesquisa Vox Populi havia apontado que 93% rejeita o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos e do tempo mínimo de contribuição para 25 anos.

Governo e aliados com a faca no pescoço por conta dos desdobramentos da Lava Jato precisam da reforma para manter sua utilidade para grandes empresários e o mercado e, portanto, seu apoio. Mas Pesquisa do DataPoder 360, divulgada nesta quarta (21), aponta que 79% da população quer a renúncia ou cassação de Temer e apenas 2% da população considera seu governo positivo.

A base aliada já percebeu que Temer mal terá forças para salvar a si mesmo, que dirá a outros. Deputados e senadores desembarcam todos os dias da barca furada do governo para não se queimar com o eleitor e buscar a reeleição. E, com isso, o sinal amarelo da antes garantida Reforma Trabalhista foi aceso.

Neste balão de ensaio que está circulando para ver se cola, o governo deve reduzir a proposta de idade mínima de aposentadoria para mulheres de 62 para 60 anos, manter o atual regime de aposentadoria especial para os trabalhadores rurais da agricultura familiar (hoje, precisam de 15 anos de comprovação de trabalho, mas a proposta quer demandar esse período de contribuição) e também não alterar a idade mínima atual para aposentadoria especial a idosos pobres através, que continuaria aos 65 anos e não mais 68 ou 70, conforme as propostas.

Isso, de certa forma, é tirar o bode da sala. Afinal de contas, se a mudança na aposentadoria rural passar dessa forma, pequenos produtores, pescadores artesanais, seringueiros, coletoras de babaçu, entre outros, simplesmente não irão conseguir se aposentar. Consequentemente, deputados e senadores de regiões rurais, principalmente do Nordeste, onde famílias inteiras sobrevivem com os recursos desse benefício, não terão popularidade para se eleger nem para padre de casamento de festa junina ou síndico de condomínio. Além disso, aumentando a idade mínima para alcançar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), teremos um problema social grave, ao relegar uma legião de idosos que não consegue trabalho à própria sorte.

Mas o governo segue irredutível quanto a uma parte do núcleo duro da reforma, que também provoca o maior impacto negativo: o aumento do tempo mínimo de contribuição (de 15 para 25 anos). Se isso não for alterado, cortaremos na carne dos trabalhadores pobres e da classe média baixa, que são os que mais necessitam da Previdência Social.

Hoje, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65 homens e 60 mulheres). Com a reforma, o número salta para 300 contribuições (25 anos).

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maioria dos trabalhadores (52%) se aposentaram por idade até 2014. E dados trazidos pela Folha, mostram que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade apenas no ano de 2015 contribuíram menos de 25 anos.

O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos. Isso não afeta tanto os servidores públicos, com estabilidade. O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.

A opção para muitas pessoas pobres que não conseguirão se aposentar será esperar para buscar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ou seja, vamos empurrar milhões de pobres da Previdência para a Assistência Social.

Pela complexidade dos dados e a quantidade de vidas envolvidas, a Reforma da Previdência é importante demais para ser aprovada à toque de caixa por um governo e um Congresso Nacional que estão mais preocupados em salvar o seu pescoço diante das denúncias de corrupção. O cidadão deveria ter o direito de votar se aceita representantes que querem essa mudança drástica.

Muitas dessas pessoas, por serem de famílias mais pobres, começaram a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já carregavam toneladas de cimento ou de cana nas costas diariamente.

O governo Temer tenta fazer com que essas novas mudanças sejam suficientes para permitir a aprovação do ponto central de sua proposta, ou seja, aumentar o tempo de carregamento do sistema. Para isso, torcem para os trabalhadores terem um olfato ruim a ponto de não perceberem que a retirada dos cabritos é insuficiente, já que o bode adulto segue espalhando catinga na sala.

Senadores, que têm olfato político, já sentiram que o fedor não é brincadeira. E, por conta disso, mesmo a aprovação da Reforma Trabalhista não será o passeio de domingo prometido a grandes empresários e ao mercado financeiro.

Manifestantes queimam caixões em frente ao Congresso Nacional contra a Reforma da Previdência
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.