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Leonardo Sakamoto

Congresso não tem condições éticas para avaliar denúncia contra Temer

Leonardo Sakamoto

25/06/2017 23h42

Michel Temer e Rodrigo Maia (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A Câmara dos Deputados terá que analisar a denúncia que a Procuradoria-Geral da República deve apresentar contra Michel Temer por corrupção e obstrução de Justiça, entre outras razões. O problema é que os nobres parlamentares não têm condições de decidir sobre isso.

Não é uma questão legal, pois a eles cabe a tarefa de acordo com a Constituição. Também não é apenas pelo fato de muitos deles estarem na mira da Operação Lava Jato e dependerem da manutenção do próprio Temer na Presidência da República para preservarem a própria pele.

A questão é de legitimidade. O Congresso Nacional é, hoje, uma das instituições menos respeitadas pela população. Consegue a façanha de ser considerado do mesmo nível que a Presidência da República. De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado (24), ambas as instituições empatam em números de desaprovação. Apenas 3% da população confia muito nelas, 31% confia um pouco e 65% não confia.

Ou seja, um ocupante da Presidência da República em situação de desgraça será julgado por seus pares, em igual situação de desgraça, com grandes chances de darem prosseguimento ao acordo que os mantém vivos.

Os únicos grupos que se sentem representados politicamente nesse Congresso são os que financiaram campanhas eleitorais. Parlamentares de bancadas organizadas, como a ruralista, a dos empresários e a de fundamentalistas religiosos, estão aproveitando este momento de "tudo pode" para mudar a lei de acordo com os interesses de seus patrocinadores. O processo de construção coletiva das regras que guiam o país está privatizado. E a democracia, transformada em incômodo detalhe.

Nesse cenário, seria digno se Michel Temer renunciasse e lutasse pela convocação de nova eleições, pelo menos para o cargo que ocupa. E o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal deveriam fazer mudanças e interpretações necessárias para possibilitar uma eleição direta.

O problema é que a maioria dos brasileiros, que não participou de protestos nem a favor, nem contra o impeachment, segue bestializada diante da TV, tendo sido carregada ao fundo do poço do cinismo do "todo mundo é igual". Muitos preferem cuidar de sua sobrevivência, pois se não trabalharem hoje, não comem amanhã. Sobrevivência que ficará mais difícil por conta dos conchavos costurados. Afinal, o apoio dos empresários não é pelas belas mesóclises de Temer, mas em nome da aprovação das Reformas Trabalhista e da Previdência.

Como já disse aqui, apenas uma votação direta pela população será capaz de restabelecer minimamente a legitimidade do processo político nacional, garantindo que o desrespeito à dignidade humana não seja a tônica do próximo ano. E reverter a corrosão das instituições nacionais, evitando um ponto de não retorno.

E quando digo ponto de não retorno trato da possibilidade de eleger um protótipo de ditador no ano que vem, alguém que prometa o céu e nos empurre para o inferno.

Apenas uma eleição direta neste momento, que seja utilizada para um debate público sobre as prioridades reais da população, poderá impedir esse grande acordão organizado pelas elites política e econômica que vai aprofundar a desigualdade social, garantindo que a conta da crise seja paga com direitos dos pobres, mantendo os privilégios dos mais ricos.

A verdade é que os políticos envolvidos devem rir – e muito – ao lerem este post.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.