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Leonardo Sakamoto

O que acontece se Rodrigo "Botafogo" Maia chegar ao topo da tabela?

Leonardo Sakamoto

06/07/2017 08h39

Rodrigo Maia (DEM-RJ), codinome "Botafogo" na lista de pagamentos da Odebrecht, de acordo com delações de seus executivos, foi um dos responsáveis por retirar o resto do tapa-sexo que mantinha uma certa aura de pudor no Congresso Nacional no que diz respeito à proteção aos mais vulneráveis.

Caso a Câmara autorize a abertura de processo contra Temer, afastando-o por até 180 dias para seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, quem assume não é o Aécio, mas o Botafogo.

Ele, que está à frente de uma das piores legislaturas da história da Câmara dos Deputados, capitaneou uma série de derrotas aos trabalhadores. Resgatando um projeto da era Fernando Henrique, conseguiu aprovar o projeto de lei da terceirização ampla – que deve precarizar a qualidade do emprego, colocar em risco a saúde e a segurança do trabalhador e tornar mais difícil processar os verdadeiros responsáveis pela exploração. Passou a PEC do Teto dos Gastos, limitando novos investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximos 20 anos – o que afetará quem depende do poder público para ver garantido um mínimo de dignidade, ou seja, os mais pobres.

E, claro, a Reforma Trabalhista. A partir de meia dúzia de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, ela ganhou corpo na Câmara dos Deputados com dezenas de mudanças. Grosso modo, o texto final foi inspirado por demandas apresentadas por confederações empresariais e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. Botafogo garantiu que ela fosse aprovada a toque de caixa sem que os parlamentares pudessem discutir o seu extenso conteúdo.

E, como cereja do bolo, Imagine que o possível próximo ocupante da Presidência da República afirmou que a "Justiça do Trabalho não deveria nem existir".

As leis e a justiça trabalhista, mesmo com suas imperfeições, têm sido responsáveis por garantir um mínimo de dignidade a milhões de brasileiros e a evitar que a lei da selva, ou seja, a sobrevivência do mais forte, prevaleça. Com o aprofundamento de uma crise econômica, os trabalhadores são os primeiros a sofrerem perdas substanciais. Deveriam ser os mais protegidos, portanto.

Mas vendo as ações tomadas por Rodrigo Maia e suas crenças, a sensação é de que o grande empresariado e o mercado financeiro é que são os vulneráveis diante da sanha de uma horda de trabalhadores insanos.

Pensando no governo Temer como um grande processo de desmonte do (já pequeno) Estado de bem- estar social, Rodrigo Maia será sua continuidade. Se ele já age como advogado empresarial sentado na cadeira da Presidência da Câmara dos Deputados, imagine o que fará no Palácio do Planalto. O mercado, essa entidade sem forma e sem rosto, que paira acima de tudo e de todos, professa a fé da imortalidade das reformas. Ou seja, se Temer voltar ao pó, elas reencarnarão no corpo de outra pessoa.

E não será Flamengo, Vasco ou Fluminense, mas Botafogo.

O problema é que, quem o conhece bem, sabe que ele deve ter dificuldade até para salvar a si mesmo quanto mais os outros políticos envolvidos nas denúncias da Lava Jato que ainda demandam aquele "grande acordo nacional" de salvação da velha política – acordo que foi uma das inspirações para o impeachment.

Temer recebeu duas tarefas do poder econômico: "Combater a crise econômica jogando a fatura para longe do colo dos mais ricos" e "Aproveitar a crise para reduzir o Estado – não na parte que garante subsídios, desonerações e isenções de impostos sobre lucros e dividendos, o que beneficia aos ricos, mas reduzindo a parte que atende às necessidades da xepa humilde". Rodrigo Maia tem sido peça fundamental nesse processo. Mas como escudeiro. O que é bem diferente de estar no foco das atenções.

Depois ainda perguntam de onde vem o desalento do brasileiro para protestar contra seu governo. Quando sai um, entra outro igual. Eleições diretas para a Presidência? Nem.

O Brasil sobrevive a um "Botafogo" no topo da tabela? Ninguém crava prognóstico. Mas sacanearam tanto com o campo de jogo, que é bem possível, ao final do campeonato, que a democracia demore muito, muito tempo para se recuperar.

O Congresso Nacional e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e toda sua corrupção, não representam a maioria dos brasileiros. Mas atuam para te convencer que sim. Não surpreende, portanto, a quantidade de pessoas que veste a camisa da segunda para exigir moralidade à primeira.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.