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Leonardo Sakamoto

Além de corrupção, JBS tem histórico com trabalho escravo e desmatamento

Leonardo Sakamoto

08/07/2017 15h59

Por Redação da Repórter Brasil

Antes de estar no centro de um escândalo que coloca em risco a continuidade de Michel Temer na Presidência da República, a JBS sofreu acusações que vão muito além da corrupção. Levantamento da Repórter Brasil mostram 17 casos em que a empresa foi envolvida em problemas trabalhistas, ambientais e sanitários nos últimos oito anos. O histórico inclui aquisição de produtos de fazendas com trabalho escravo, desmatamento ilegal e maus tratos aos animais. As manifestações da JBS sobre cada caso, à época da publicação, bem como o detalhamento de cada caso, estão nos links.

Em nota enviada a Repórter Brasil após a publicação da reportagem, a JBS afirmou que "a política de bem-estar animal adotada pela Companhia segue padrões internacionais", que a "busca por uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento é um desafio constante para todo o setor" e que a "a companhia valoriza a prática da saúde e segurança no trabalho". Leia a íntegra da manifestação da empresa.

1) JBS compra gado de áreas desmatadas ilegalmente
Março de 2017: Frigoríficos da empresa no Sudeste do Pará compravam gado criado em área de desmatamento ilegal que estavam embargadas pelo Ibama. A prática é considerada crime ambiental e revelou um esquema de manipulação dos documentos que certificam a origem do boi. O caso foi descoberto pela operação Carne Fria, deflagrada pelo Ibama, que também investigou outros frigoríficos. A empresa adquiriu 49.468 cabeças de gado ilegais e foi multada em R$ 24,7 milhões pela prática.

Gado sendo criado em área embargada pelo Ibama. Foto: Piero Locatelli / Repórter Brasil)

2) JBS é a segunda empresa que mais deve ao INSS no Brasil
Fevereiro de 2017: A Reforma da Previdência, proposta pelo governo federal no final de 2016, não levou em conta os R$ 426 bilhões que não são repassados pelas empresas ao INSS. O valor da dívida equivalia a três vezes o chamado deficit da Previdência em 2016. Levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional mostrava que a JBS era a segunda empresa que mais devia ao governo: R$1,837 bilhão – atrás somente da Varig, já falida.

3) Fornecedores da JBS não cumprem regras de bem-estar animal
Setembro de 2016: Investigação da Repórter Brasil mostrou que os fornecedores da JBS violam a política de bem-estar animal da empresa e as recomendações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sobre o assunto. Entre os maus tratos, a investigação encontrou bezerros sendo queimados no rosto com ferro quente em Mato Grosso, bois tomando choques elétricos em Goiás, uma vaca recebendo pauladas em São Paulo e um filhote recém-nascido com uma corda amarrada no pescoço pela qual era arrastado por um cavalo no Mato Grosso do Sul.

4) JBS esconde doenças de trabalhadores, com impactos ao INSS
Agosto de 2016: A JBS e outros frigoríficos do Brasil não reconheciam doenças que seus funcionários contraíam no ambiente de trabalho. O problema foi constatado nos frigoríficos da empresa por auditores fiscais, e é corroborado por depoimentos dos funcionários. Ao fazer isso, a empresa economizava em diferentes frentes, e todos os outros contribuintes acabavam pagando pelos problemas através do INSS. Enquanto isso, os trabalhadores doentes seguiam sem nada que pudesse amenizar os seus problemas.

5) JBS tem problemas trabalhistas da fazenda ao frigorífico
Julho de 2016: Da fazenda ao curtume, trabalhadores ligados à JBS queixaram-se do desrespeito a direitos básicos em todas as etapas da indústria da carne. A Repórter Brasil ouviu, em três estados do país, vaqueiros em fazendas, caminhoneiros da empresa, além de empregados de frigoríficos e curtumes – onde o couro dos bois é tratado. As denúncias não são restritas às violações trabalhistas. Todos os entrevistados enfatizaram a falta de apoio da JBS, mesmo após acidentes graves e doenças ocupacionais.

6) Terceirizados da JBS sofrem ao carregar frangos
Todos os dias, aproximadamente 15 milhões de frangos são transportados no Brasil das fazendas para o abate em frigoríficos. Colocar os frangos em caixas – e, posteriormente, as caixas em cima dos caminhões – é uma tarefa árdua, realizada por equipes que percorrem rodovias e estradas de terra a bordo de pequenas vans. Os trabalhadores das empresas terceirizadas da JBS estavam entre os que sofriam nessa atividade. Em uma fiscalização do Ministério do Trabalho, nove apanhadores de frangos foram resgatados do trabalho análogo ao escravo em fevereiro de 2015, em Forquilhinha (SC). O grupo, em parte oriundo do Paraná, havia sido arregimentado por uma empresa terceirizada que prestava serviços à JBS, dona de um frigorífico no município.

7) Frigoríficos da JBS têm morte e acidentes graves
Abril de 2015: Com três acidentes graves em apenas um ano, a JBS foi alvo de ações milionárias que denunciaram falta de segurança para trabalhadores nos frigoríficos. No Mato Grosso do Sul, um trabalhador teve seu braço violentamente tragado por uma máquina enquanto a limpava. No Paraná, outro funcionário teve a mão decepada enquanto limpava uma máquina de moagem de suínos. Já um mecânico em São Paulo morreu depois de cair em uma máquina de trituração.

 

8) JBS comprou gado de família do maior desmatador da Amazônia
Março de 2015: A empresa adquiriu centenas de cabeças de gado de Cirineide Bianchi Castanha, mãe de Ezequiel Antônio Castanha, preso pela Polícia Federal sob acusação de ser "o maior desmatador da Amazônia em todos os tempos". Documentos obtidos pela Repórter Brasil revelaram que os animais eram provenientes de Nova Bandeirantes, Mato Grosso, região onde a família controla diversas propriedades. Antes dessas vendas, em fevereiro de 2013, o pai de Ezequiel, Onério Castanha, transferiu mil cabeças de gado que estavam em seu nome para Cirineide – esposa de Onério e mãe de Ezequiel. Pai e filho são réus de ação penal movida pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA).

9) JBS serviu carne com larvas a empregados
Agosto de 2014: A JBS foi condenada pela Justiça Trabalhista em dois processos diferentes abertos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) com base em infrações sistemáticas de leis trabalhistas. A empresa serviu alimentos contaminados aos empregados, incluindo carne com larvas de moscas varejeiras. A unidade industrial de Juruena (MT) também teve vazamento de gás amônia, tóxico aos trabalhadores.

10) Fornecedor da JBS mantinha trabalhador sob trabalho forçado há dez anos
Maio de 2013: Durante quase dez de seus 49 anos de vida, Joaquim Eduardo permaneceu alojado nos fundos de uma propriedade rural, em Dourados, no Mato Grosso do Sul (MS). Isolado, ele não dispunha de água potável ou qualquer outra forma de abastecimento. Para matar a sede, tomar banho ou realizar necessidades, deveria caminhar até um açude próximo que construiu ao chegar no local. A JBS havia comprado 20 cabeças de gado da fazenda. Após ser informada do caso, a empresa cortou o fornecimento. O resgatado recebeu R$25.360,97, pagos em juízo pelo grupo JBS devido à venda de 20 cabeças de gado bovino da criação do fazendeiro para a empresa.

11) Más condições de trabalho nos frigoríficos
Setembro de 2012: A rotina dos trabalhadores da indústria de abate de aves, suínos e bovinos envolve riscos devido ao manuseio de instrumentos cortantes, a pressão por altíssima produtividade e, não raro, jornadas exaustivas em ambientes frios e insalubres. A investigação Moendo Gente mostrou os maiores problemas nessa indústria. Entre os frigoríficos investigados, estavam plantas da JBS, onde foram encontrados os problemas relativos à saúde e segurança dos empregados, que exportavam para outros países.

12) JBS comprou gado de fazenda da "lista suja do trabalho escravo"
Outubro de 2011: A empresa comprou animais de propriedades rurais da "lista suja do trabalho escravo", embargadas por irregularidades ambientais e localizadas em terras indígenas Maraiwatsede. O frigorífico foi notificado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela compra irregular desse gado no estado do Mato Grosso.

13) JBS se beneficia de destruição da Amazônia
Março de 2011: O levantamento "Quem se beneficia da destruição da Amazônia", coproduzido pela Repórter Brasil, mostrou casos de violação de direitos socioambientais ocorridos na Amazônia, as empresas envolvidas, a relação com o consumidor paulistano e a posição assumida pelas companhias diante das constatações. A JBS foi citada três vezes.

14) JBS mantinha trabalhadores em baixa temperatura sem agasalho adequado
Janeiro de 2011: A baixa temperatura dentro do frigorífico, a falta de agasalho adequado e a permanência no local de trabalho por período superior ao legalmente permitido são algumas das causas que levaram a JBS a ser condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª região em janeiro de 2011. A empresa foi condenada pelas violações em uma Ação Civil Pública e obrigada a pagar R$1.000 por funcionário enquanto não regularizasse essas situações.

15) Desembargador foi acusado de tentar favorecer JBS
Dezembro de 2010: Apenas no final de 2009, nove trabalhadores desmaiaram no frigorífico da JBS em Naviraí (MS). Dois foram levados ao hospital para tratamento dos ferimentos decorrentes das quedas sofridas após os desmaios. Esse e outros problemas levaram à interdição do setor de abate do local. Quase aposentado, o desembargador Abdalla Jallad liberou o funcionamento do frigorífico. O magistrado teria sido instado pelo então governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), a atuar em favor da empresa. Apurações relativas ao caso correram sob sigilo no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

16) Fornecedor da JBS tinha 28 trabalhadores em condição análoga à escravidão
Abril de 2010: O grupo móvel de fiscalização ao trabalho escravo encontrou 28 trabalhadores rurais sem acesso a estruturas básicas de sanitários, à água e fiação elétrica e dividindo espaço até com cavalos e mulas. Eles eram submetidos a longas jornadas (das 5h da manhã às 18h, sem descansos regulares) e sufocados pelo endividamento (cobranças de "aluguel", de alimentação e até equipamentos de proteção e ferramentas de trabalho). Os resgates de condição análoga à escravidão ocorreram na Fazenda Tarumã, em Santa Maria das Barreiras (PA), que pertence à CSM Agropecuária S/A. De acordo com a fiscalização, a Tarumã atuava como fornecedora de um frigorífico da JBS.

17) Favorecimentos a frigoríficos afloram com desmonte de esquema
Setembro de 2009: Investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apontou a prática de diversos crimes cometidos para favorecer frigoríficos, entre eles a JBS, que teriam o respaldo de uma "quadrilha" montada na Superintendência Federal da Agricultura em Rondônia (SFA/RO), repartição local do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Entre as infrações, está a concessão de laudos frios e a liberação para funcionamento das unidades de produção. As supostas fraudes ocorreram entre 2007 e 2009.

Post atualizado às 13h do dia 20/07/2017 para inclusão de nota da JBS.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.