Topo

Leonardo Sakamoto

Está oficialmente aberta a temporada de caça a pobres do campo no Brasil

Leonardo Sakamoto

10/07/2017 17h24

A Justiça do Pará decretou a prisão temporária de 11 policiais militares e dois civis acusados de envolvimento no massacre de dez trabalhadores rurais sem-terra na fazenda Santa Lúcia, em Pau D'Arco (PA). Na última sexta (7), Rosenilton Pereira de Almeida, liderança do mesmo grupo massacrado, foi assassinado em um município vizinho.

O anúncio da prisão deve ser visto com ressalvas. A Justiça, quando se refere ao Pará, tem servido para proteger o direito dos mais ricos em detrimento aos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, graças à sociedade civil, à imprensa e a promotores, procuradores e juízes que têm a coragem de fazer o seu trabalho, mesmo com o risco de uma bala atravessar o seu caminho. Mas tudo isso é muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento.

Se fossemos contar todos os casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos, teríamos o maior post de todos os tempos. Por exemplo, na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, e assassinaram uma série de lideranças. Foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Deles, passando pelo massacre de Eldorado dos Carajás, pelos casos Dorothy Stang e José Cláudio e Maria até a morte dos trabalhadores de Pau D'Arco, foram décadas de impunidade e desrespeito à vida.

Não gosto de dizer que o Estado é "ausente" nessas regiões, seria um erro do ponto de vista conceitual. Mas as instituições que servem para garantir a efetividade dos direitos fundamentais da parcela mais humilde são mal estruturadas, defeituosas ou insuficientes. Enquanto isso, aquelas criadas para garantir o desenvolvimento econômico, seja através do agronegócio, do extrativismo ou dos grandes projetos de engenharia, funcionam que é uma beleza.

O massacre de Pau D'Arco ocorreu no mesmo dia em que Michel Temer autorizou o uso das Forças Armadas contra os manifestantes que ocuparam a Esplanada dos Ministérios contra as Reformas Trabalhista e da Previdência no dia 24 de maio. Ou seja, no mesmo dia, a Presidência da República e as polícias do Pará declararam guerra contra o povo que juraram proteger.

Isso não é coincidência. Vivemos um momento em que as instituições foram esgarçadas em nome de políticos corruptos que desejam se safar e de parte da elite econômica que deseja mais lucrar. Consequentemente, a garantia da dignidade humana é ignorada, o respeito à democracia é deixado de lado e o motor da impunidade gira livre no campo.

Ao se sentirem fortalecidos pelas alianças políticas que fizeram, certos produtores rurais e extrativistas querem mudar as regras da demarcação de territórios indígenas, suprimir ainda mais a proteção ambiental, "flexibilizar" as regras para a implantação de grandes empreendimentos, enfraquecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo, aprovar uma reforma nas leis trabalhistas no campo que transformaria pessoas em objetos descartáveis de trabalho.

Uma mudança no modelo de desenvolvimento, concentrador e excludente, se faz necessária para a paz no campo. Mas o governo Temer ou um possível governo Rodrigo Maia não irá fazer isso, da mesma forma que os governos Dilma, Lula, Fernando Henrique, Itamar, Collor e Sarney também não fizeram. Muito menos os militares, que foram vetores de desmatamento e destruição na região. E não estamos falando de revolução, mas de simplesmente seguir as regras do jogo – coisa que é vista com desdém em nosso capitalismo de periferia.

Ao invés de comemorar as prisões dos acusados do massacre, o ideal é permanecer atento. Porque a temporada de caça aos mais pobres está oficialmente aberta no campo e deve durar, pelo menos, até às próximas eleições diretas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.