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Leonardo Sakamoto

Abandonado por políticos e empresários, Temer deveria delatar todo mundo

Leonardo Sakamoto

11/07/2017 12h07

Claro que sou contra a perversão do instrumento que ficou conhecido como "delação premiada". Pessoas têm sido condenadas em praça pública com base em confissões de criminosos que querem salvar a si próprios, sem a preocupação de que os fatos sejam verdadeiros.

Feito a ressalva e considerando que o governo Michel Temer está naufragando pelo peso da corrupção que ele mesmo trouxe à luz do dia, fico imaginando se, em um derradeiro (e talvez único) ato de coragem, não topasse fazer uma colaboração premiada.

Ele, que é muito cioso de sua biografia, já vai entrar para a história como o primeiro presidente formalmente denunciado por corrupção no exercício de seu mandato. E o segundo pior em popularidade, ganhando apenas do Sarney – o que, convenhamos, é uma humilhação. Essa é a chance dele fazer algo de bom e duradouro: promover uma limpeza profunda no sistema político e econômico do país.

As bactérias que sobrevivem a um antibiótico podem gerar uma infecção ultra-resistente que remédios comuns não podem combater. O problema é que, se isso acontece, novos e agressivos medicamentos são criados, podendo atingir a saúde do corpo que eles pretendiam curar. Sob o argumento de que o corpo (sociedade) não aguenta mais, vamos caminhando para deixar as bactérias ultra-resistentes (políticos e empresários desonestos) por aí. Depois, novos instrumentos de exceção para combate-las poderão ser fatais para nossa democracia. Por isso, o serviço que começou deve ser concluído.

Com seus 76 anos, dificilmente Temer cumpriria pena em regime fechado. Portanto, não haveria muito o que barganhar, talvez a devolução de recursos públicos. Mas o grande prêmio de Temer seria passar para a história, pelo menos, como alguém que universalizou o rebosteio e possibilitou o ataque a todas as frentes.

Não apenas seus colegas mais próximos, como Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, ou ex-colegas, como Renan Calheiros, e o PMDB como um todo. Mas contar tudo o que sabe envolvendo a alta cúpula da política nacional desde a redemocratização. Eduardo Cunha era o rei do baixo clero, mas Temer, não. Temer deve ser um dos maiores arquivos vivos das negociatas nacionais.

De cara, envolveria nomes importantes do tucanato, pois ele foi base de sustentação do governo Fernando Henrique e depois foi sustentado por ele em seu mandato. Baseado nas informações que traria, seria praticamente impossível a Justiça continuar se esquivando de dar o mesmo tratamento ao PSDB que tem conferido a outros partidos envolvidos em corrupção.

Talvez com a exceção do Aécio que, ao que tudo indica, teve o corpo fechado por santos como Gilmar Mendes.

Mas não é aí que uma delação de Temer teria seu maior impacto. Os defensores da colaboração premiada apontam políticos como os únicos chefes de quadrilha, o que não é verdade. Muitos empresários moldaram o Estado de acordo com suas necessidades, comprando e vendendo quem fosse preciso, sangrando os cofres públicos, escrevendo e aprovando leis que os beneficiavam.

Temer deveria delatar os grandes empresários e os representantes do mercado, do agronegócio ao sistema financeiro, das indústrias ao comércio, de quem constrói estradas até as histórias do porto de Santos.

Isso seria o empurrão que falta para duas importantes reformas acontecerem de verdade: a Política e a Tributária. Para chacoalhar de vez o país e dar o reset que a gente precisa.

Sei que é fantasia sugerir isso. Mas se me roubarem até a capacidade de sonhar acordado, o que me resta neste país?

Temer, você está sendo abandonado pelos Patos Amarelos do poder econômico.

Temer, você está sendo traído por seus correligionários da velha política.

Temer, até o Rodrigo Maia (o Ro-dri-go Ma-ia!) está te dando um passa-moleque.

Vai, Temer. Se você perceber que a sua maionese desandou de vez, delata todo mundo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.