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Leonardo Sakamoto

O que fazer quando políticos se tornam responsáveis por ódio a jornalistas?

Leonardo Sakamoto

24/07/2017 15h31

Apesar de estarmos vivendo um momento de tempestade, nuvens mais escuras são avistadas no horizonte. À medida em que avançamos em direção ao processo eleitoral de 2018, políticos vêm perdendo o pouco pudor que tinham com relação ao jornalismo, atacando-o à luz do dia. Enxergando-se como seres acima do bem e do mal e não aceitando a circulação de qualquer notícia negativa sobre eles, soltam fortes declarações, muitas vezes grávidas de ódio contra jornalistas. Estas acabam por dar à luz a campanhas digitais, organizadas ou não, em sites anônimos e perfis em redes sociais simpáticos aos políticos em questão contra os profissionais de imprensa.

O caso do prefeito João Doria contra uma repórter da rádio CBN (que denunciou que pessoas em situação de rua foram molhadas por funcionários da limpeza urbana em uma manhã gelada) e a consequente violência que ela sofreu na internet é o último exemplo, mas não o único. Nem do próprio prefeito, nem do universo político. O ex-presidente Lula também não mede palavras com jornalistas que são críticos a ele, o que faz com que esses profissionais sejam assediados em sua vida privada. Aliás, Lula, que é uma das maiores vítimas do ódio burro na rede, deveria ser o primeiro a evitar que essa roda continuasse girando.

E isso sem falar claro, claro, nos que destilam ódio por ofício, como Bolsonaro.

Não, não estou tentando ser isento. Apenas alertar que a questão não é monopólio de determinada ideologia. Do jeito em que as coisas andam, corremos o risco de gritarmos tão alto que não seja possível ouvir que o outro chora ou desesperadoramente pede ajuda. Nesse momento, o barulho abafa a ideia de república e o ruído implode o futuro do país.

Você pode não gostar da cobertura de determinados jornais, revistas, sites, canais de rádio e de TV, do posicionamento de certos colunistas e blogueiros e discordar profundamente da pauta conduzida por um repórter. Mas o respeito aos jornalistas, sejam eles de veículos tradicionais ou alternativos, grande ou pequena, liberal ou conservadora, segue sendo um dos pilares da democracia. Sem uma imprensa livre, o poder público estaria à vontade para ser mais tosco do que já é.

Dizer que políticos estão apenas se defendendo é bobagem. Eles não são ingênuos, sabem o tamanho de sua caixa de ressonância, o fanatismo de alguns de seus seguidores que agem como torcida organizada e o profissionalismo de redes digitais simpáticos a eles. E, ao ter consciência disso e manter tal comportamento, tornam-se cúmplices das consequências de seus atos.

O padrão se repete diariamente, com outros nomes, da direita à esquerda, de grandes centros urbanos a pequenas cidades do interior: a personificação em uma profissional do descontentamento contra uma cobertura, uma opinião editorial ou a situação da economia e da política como um todo. Pois é mais fácil bater em um indivíduo do que em um veículo.

O direito ao livre exercício de pensamento e à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais que o país assinou. Mas liberdade de expressão não é direito fundamental absoluto. A partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade, espalhando o ódio e incitando à violência, pode trazer graves consequências à vida de outras pessoas. Posso falar de experiência própria, pois fui vítima de xingamentos, ameaças de morte e agressões físicas baseadas em mentiras que, não raro, começam com essas redes de ódio que apoiam políticos. Nos últimos tempos, a sensação é de que o caldo de intolerância voltou a engrossar.

Caso vejam erro ou má fé em um conteúdo publicado por uma empresa jornalística, um político deveria buscar, junto ao veículo de comunicação, seu direito de resposta. Ou, se isso for insuficiente, procurar na Justiça a reparação. Nisso, já encontraríamos a diferença entre veículos e páginas em redes sociais sérios (tradicionais ou alternativos) e os exércitos que publicam notícias falsas: a inexistência de um expediente, com nome e contato verdadeiros de responsáveis, para que possam ser responsabilizados por algo que divulgaram. Ao invés disso, governantes, parlamentares e políticos preferem dar o sinal para o início de uma inquisição online e offline. Pois o resultado é mais rápido, mas menos justo.

Políticos dizem não incitar a violência com suas palavras. Mas, por vezes, não são eles que ameaçam, esmurram, esfaqueiam e atiram, mas é a sobreposicão de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de atacar, esfaquear e atirar banais. Ou, melhor dizendo, "necessários" para tirar o país do caos e levá-lo à ordem. Acabam por alimentar a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

A liberdade de expressão não admite censura prévia. Ou seja, apesar de alguns juízes não entenderem isso e darem sentenças aqui e ali para calar de antemão biografias, reportagens, propagandas, movimentos sociais, a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. E políticos podem continuar falando o que pensam. Mas isso não significa que não devam ser responsabilizados quando suas palavras levarem a consequências na vida de outras pessoas.

Sempre contei com o apoio jurídico e o respaldo do lugar para o qual escrevo, mas nem todos os colegas possuem a mesma sorte. Seja por razões políticas, ideológicas, a necessidade de preservar anunciantes governamentais, a falta de um departamento jurídico ou a pura cegueira institucional, muitos são os veículos – grandes ou pequenos – que ignoram as ameaças a seus repórteres. Muitas vezes, resquício da arrogância de uma época pré-digital, em que empresas de comunicação não tinham competidores. Arrogância que, se não mudada a tempo, acabará as engolindo.

Entendo por jornalista não apenas a pessoa que cursou uma faculdade específica, possui registro ou trabalha para uma empresa, mas todo aquele que se dedica a informar a sociedade, cumprindo os requisitos éticos e técnicos da atividade. Se não conseguirmos garantir a proteção nem àqueles que trabalham em tempo integral nessa missão, imagine ao restante dos cidadãos que busca melhorar nossa democracia através de sua participação cidadã.

O exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se, junto à sua incapacidade de viver em sociedade, ao seu cantinho.

Por fim, pessoas consomem informação sem fazer diferenciação entre o que é confiável e o que não é. Porque muitas não querem ser informadas sobre fatos (o que significaria um processo, não raro, doloroso de educação para a pluralidade), mas sim obter argumentos para sustentar seus pontos de vista ou seus preconceitos. Seja à esquerda ou à direita.

A solução principal passa pela formação de leitores para que possam separar o joio do trigo. Para que sejam capazes de questionar, a todo o momento, se a informação que receberam faz sentido ou se apenas uma fonte é suficiente para formar sua opinião. Ou se a fonte que está lhe informando algo tem ou não credibilidade além da credibilidade que a quantidade de likes, retuitadas e compartilhamentos fantasiosamente conferem a algo. Coisa que, para a infelicidade de nossa democracia, está muito longe de acontecer.

O Facebook anunciou que suspendeu 30 mil contas falsas na França a poucos dias da eleição presidencial, realizada entre abril e maio deste ano, com o objetivo de evitar a contaminação do resultado com notícias falsas. Em junho, o Parlamento alemão aprovou multa de até 50 milhões de euros contra redes sociais que não eliminarem conteúdo ilegal, falso ou racista. As empresas terão que entregar relatório semestral detalhando quantas denúncias foram recebidas e como lidaram com cada uma delas.

Acredita-se que esse tipo de conteúdo veiculado pela rede possa ter contribuído com a eleição de Donald Trump e a votação pela saída do Reino Unido da União Européia. Facebook e Google lançaram ações contra notícias falsas e ódio e intolerância desde então.

O caminho da retirada de conteúdo é uma faca de dois gumes: pode ajudar no respeito à dignidade na rede ou tolher a liberdade de expressão – ainda mais em países ávidos por autoritarismo, como o nosso. Mas é um debate em terreno desconhecido que precisamos encarar de frente. E temos pouco tempo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.