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Leonardo Sakamoto

Rio acha que o problema das drogas será resolvido com blindado e fuzil?

Leonardo Sakamoto

29/07/2017 21h31

Blindado e soldados reforçam policiamento em frente ao Museu do Amanhã, no Rio. Foto: Luiz Souza/Fotoarena/Folhapress

Sou bastante cético quanto às ações contra o tráfico de drogas envolvendo Forças Armadas. E antes que algum leitor refinada argumentação brade que é por que tenho "bandido de estimação", explico: a experiência mostra que quando se trava uma guerra ao tráfico, os únicos resultados garantidos são dor e lamento de inocentes que vivem no território com conflito deflagrado.

O contingente de 8500 membros das Forças Armadas que foram disponibilizados ao Rio de Janeiro em meio às crises econômica e de segurança pública já está na capital. Ao contrário do que havia informado originalmente pelo governo federal, eles vão fazer patrulhamento nas ruas. Depois serão deslocadas para operações contra o tráfico de drogas e milícias.

Segundo o ministro da Defesa Raul Jungmann, o objetivo é atacar os centros de comando e controle do crime organizado, atingindo seus "fluxos de armas e drogas". O ministro, que é uma pessoa inteligente, sabe que isso não deve gerar efeitos para além de um placebo de calmante, principalmente junto aos moradores daqueles 15 quarteirões a partir da orla, que os cartões postais vendem como Cidade Maravilhosa. Mas também com a parte da população que, cansada de sentir medo, compra essa narrativa.

"Se há uma relação clara entre violência e drogas no Brasil, ela está na dinâmica interna do mercado ilícito e na guerra policial a esse mercado", afirma Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

A forma como o tráfico se organizou e a política estúpida adotada pelo poder público para combatê-lo estão entre as principais razões desse conflito armado organizado.

Em uma economia de mercado, toda a expansão de mercado é conflituosa. Quando se abre uma loja em um bairro, os que lá já estavam estabelecidos podem se sentir prejudicados. Ainda mais quando os forasteiros trazem produtos melhores e a preços mais baixos. Se a concorrência é agressiva e chega a tal ponto que a convivência pacífica torna-se insustentável, pode-se apelar à Justiça, que decidirá quem tem razão na disputa.

Mas o que fazer quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça? A solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre os demais, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade. É necessário controlar – por bem ou por mal – um território. Uma das garantias que o traficante pode dar é ter um território consolidado, seguro para estocar a mercadoria e vender à sua freguesia. Quanto mais território um grupo possui, mais pontos de venda terá.

Os Estados Unidos – principal responsável pela fracassada política global de guerra às drogas – já liberaram o uso de maconha até em sua capital Washington DC e a Califórnia, o estado mais populoso e rico daquele país, vai regulamentar em breve a produção e o consumo. Aliás, não houve mudanças nas taxas de crime ou de consumo pelos jovens da maconha com sua legalização no Estado do Colorado, mas a arrecadação de impostos triplicou.

Outros países discutem o mesmo, incluindo substâncias mais fortes. Sabem que a guerra às drogas falhou. Na prática, ela serviu para controle geopolítico, fortalecer grupos de poder locais e o tráfico de armas, sustentar a corrupção policial e até facilitar a especulação imobiliária. Vergonhosamente, por aqui, a Justiça ainda discute qual o tamanho do porte de maconha que pode dar cadeia.

E se a maconha fosse legalizada aqui também? E se fossemos além e regulamentássemos o consumo de outras drogas, reduzindo assim o comércio ilegal e a necessidade de armar-se até os dentes disputar territórios? E se encarássemos a dependência química como questão de saúde pública e não criminal? Teríamos uma redução significativa da disputa de facções criminosas entre si, entre facções criminosas e a polícia (tanto a parte honesta quanto a banda podre) ou entre a polícia honesta e as milícias.

Segundo Maurício Fiore, é necessário descriminalizar o usuário e caminhar para o controle por parte do Estado. O objetivo seria trazer todas as drogas para a regulação, retirando da proibição pura e simples. Dessa forma, encara-se a questão como saúde pública e não como um caso de polícia com a mão forte do Estado – um modelo autoritário superado e ineficaz. Claro que isso seria avaliado de acordo com a natureza do impacto e da natureza de cada droga.

Cada soldado enviado para uma missão contra o tráfico é um gasto equivocado que o governo brasileiro faz, não produzindo mudanças sustentáveis. Mas, infelizmente, a adoção de uma saída racional nesse campo está diante de acontecer porque há sempre interessados em manter o medo e a guerra. E, acreditem, não são as forças armadas.

Ou seja, muito sangue de inocente vai ser derramado ainda.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.