Topo

Leonardo Sakamoto

Denunciado por corrupção, Temer é uma grande tatuagem de hena

Leonardo Sakamoto

01/08/2017 11h09

Deputado Wladimir Costas (SD-PA) com sua "homenagem" a Michel Temer. Foto: Divulgação/ Diário do Pará

Causou frisson na internet a imagem do deputado federal paraense Wladimir Costa, do Solidariedade, ostentando, no ombro direito, uma tatuagem com o nome de Temer e uma bandeira do Brasil. Ele explicou ter pago R$ 1200,00 em seis vezes por ela e que a homenagem era real. E definitiva.

"Doeu um pouco, mas eu lembrava do Temer, passava a dor", confessou sobre o processo.

Quando as redes sociais questionavam o gosto ético e estético do parlamentar, colegas jornalistas trouxeram à tona a opinião de especialistas: a tatuagem, mal feita, seria de hena, produto que sai da pele com o tempo.

Dada a irrelevância do tema, ninguém irá investigar se a tatuagem é ou não legítima. Mas a história, que vai entrar para o extenso anedotário político nacional, tão carregada de simbolismo e representatividade, é uma grande alegoria do governo federal e de suas relações políticas e econômicas.

O apoio à manutenção de Michel Temer não tem sido dado, mas tem um custo. Seja através da concessão de emendas milionárias, da nomeação de aliados para cargos públicos com controle de orçamento ou da promessa de apoio a projetos de leis oportunistas que farão o país regredir a padrões da Idade Média. E nisso, acreditem, as bancadas da bala (segurança pública), da bíblia (do fundamentalismo religioso) e do boi (ruralista) são muito boas em garantir.

Políticos não são comprados, mas alugados. O apoio dura enquanto for regado com recursos financeiros. Se a torneira seca, por maiores que tenham sido as juras de fidelidade, o apoio desaparece. Lembrando que, como bem disse o cientista político Vinícius de Moraes, juras de amor são infinitas apenas enquanto duram.

E tal como acontece em uma camisa de futebol ou um macacão de piloto de automobilismo, o caminho do ombro direito fica livre para ser ocupado por outro patrocinador, por quem pagar mais. De fato, não é o ombro que está à disposição para ser arrendado. Mas a voz. A consciência. A honestidade.

Aliás, seria excelente se cada deputado federal ou senador colocassem, em seus paletós, casacos ou vestidos, as marcas das empresas que financiaram suas campanhas. Dessa forma, ficaria mais fácil entender quais os interesses por trás de suas ações. Garantiria transparência.

Transparência que o próprio deputado não possui. Em julho de 2016, ele teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará sob a acusação de ter recebido de forma não-declarada mais de R$ 410 mil para a sua campanha. Enquanto sua defesa recorre, ele segue lá. Prometeu também tatuar o rosto de Temer e sua esposa Marcela no corpo. O que me preocupa é, independente de ser a base de hena ou por agulhas, o quanto isso vai custar aos cofres públicos.

Temer recebeu dezenas de deputados para convencê-los a votar contra a admissão da denúncia por corrupção passiva contra ele no Supremo Tribunal Federal. Wladimir Costa expôs, sem rodeios, como funciona o sistema de fisiologia que compra deputados. Uma coreografia sutil: o ocupante do Planalto choraminga sobre a denúncia e os parlamentares choramingam sobre suas demandas. Ao final, todo mundo fica feliz – menos o cidadão que banca com seu sacrifício aquela apresentação artística.

"Ele não propõe nada, ele pede apoio, mostra cópia da denúncia, diz que é inócua, mas não oferece nada. Vai que alguma pessoa queira gravá-lo novamente numa situação dessas. Ele diz que vai ver o que pode fazer. 'O que for possível ajudar no seu estado, vamos fazer.' Ele vê quais são os ministérios, quem pode resolver. O presidente encaminha. Faço cara de coitadinho para ele", explicou Wladimir Costa, de acordo com reportagem de O Globo.

O problema é que os impactos desse mercado a céu aberto vão perdurar por mais tempo do que uma tatuagem de hena. A partir do momento em que regras, normais e leis são ignoradas em nome da manutenção de uma parte do poder político e de uma agenda do poder econômico, envia-se uma mensagem à sociedade: não há limites. Ou seja, as instituições que nos mantém coesos como país não valem mais, vigora agora a lei do mais forte. Ou do mais esperto.

O ocupante do Palácio do Planalto, cioso de como sua biografia, acredita que será lembrado para sempre como um grande reformista. Equivoca-se. Não tendo pudores de conspirar a céu aberto pelo impeachment de sua antecessora e de transformar o cargo mais importante do país em uma feira livre em nome da preservação do próprio pescoço e de seus aliados, sua reputação não resistirá ao tempo. Muito menos a uma boa lavagem pública com água e sabão. Tal qual uma tatuagem de hena.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.