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Leonardo Sakamoto

Temer comprou o que há de pior no Congresso para se salvar, diz deputado

Leonardo Sakamoto

02/08/2017 11h41

Michel Temer discursa durante cerimônia de posse dos ministros. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Se a Câmara dos Deputados confirmar os prognósticos e não garantir os 342 votos para afastar Michel Temer a fim de que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva, podemos ter uma Presidência da República sequestrada por deputados que representam apenas a si mesmos e aos interesses de seus patrocinadores.

Não que o governo já não tenha sido sequestrado pelo interesse de parte do poder econômico. Este apoiou a chegada de Temer ao poder em nome da adoção de mudanças estruturais que representaram redução em políticas de bem-estar social em nome do aumento da competitividade.

Contudo, dependendo do resultado da votação, prevista para esta quarta (2), o cativeiro passará a ser administrado em consórcio. E o custo do resgate será pago pelo conjunto da sociedade nos próximos 17 meses.

"Uma coisa é ele ter 300 votos a seu favor, bem próximo do mínimo para mudanças constitucionais, o que seria uma demonstração de força", pondera o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). "Mas, outra, é ter 180. Daí, ele vira um pato manco, não governa mais. Ou seja, o resultado vai influenciar na política daqui para frente." Temer não precisa apenas ganhar, mas ganhar bem sem que deputados demonstrem medo eleitoral de aliarem sua imagem a ele.

Para que o seu pescoço e o de seus aliados fiquem longe da guilhotina da Lava Jato, toda uma agenda de retrocessos socioambientais – que havia sido represada a muito custo pelo engajamento da sociedade civil, o monitoramento da imprensa e a ação de parte do parlamento – está saindo do papel como contrapartida.

O que é pior e mais danoso ao futuro do país do que a concessão de bilhões de reais em emendas parlamentares e indicação de cargos a fim de alugar a simpatia de deputados. Representa a entrega do mínimo patamar de civilidade que conseguimos construir ao longo de três décadas de democracia.

Ivan Valente afirmou a este blog que "a manutenção de Temer significa um retrocesso de 100 anos em nosso país em matéria de política econômica, ambiental, de direitos humanos, em matéria de costumes". Para ele, "Temer comprou o apoio dos setores mais retrógrados do Congresso Nacional, do que há de pior, para permanecer a todo o custo no poder".

De redução de áreas de preservação ambiental, passando por perdões bilionários de dívidas com o recolhimento de recursos da aposentadoria rural, passando pelas promessas de apoio à repressão ao aborto e até de revogação ao Estatuto do Desarmamento, o balcão do governo está aberto. E, através dele, promessas foram feitas nas reuniões realizadas com dezenas de deputados e lideranças nas últimas semanas.

As ações para agradar essas bancadas não veem, necessariamente, através de projetos de lei, portarias ou decretos. Parte delas é executada simplesmente através da inação do poder público. Sob a justificativa da crise econômica, recursos deixam de ser empenhados para áreas como fiscalização trabalhista, ambiental e fundiária e ações policiais especiais. E, diante da certeza de que não haverá punição por parte do Estado, crimes e irregularidades que atentam contra a dignidade humana podem ocorrer de forma tranquila.

As ações de resgate de trabalhadores escravizados são um exemplo. Sem recursos para continuidade das operações a partir de agosto, elas chegaram muito perto de parar – indo ao encontro do interesse de parte da bancada ruralista. Dada à chiadeira nacional, o governo prometeu empenhar recursos para evitar essa pane seca.

Todo esse cenário vai depender do resultado da votação prevista para esta quarta. Deputados de oposição protestaram por eleições diretas para a Presidência da República durante a análise da admissibilidade da denúncia no plenário, nesta quarta. Dizem que é a única forma de estourar o cativeiro. Porém, uma parte dos contrários ao governo parece querer ver Temer sangrar até as eleições do ano que vem e aumentar suas chances de voltar ao poder. Ou teme que Rodrigo Maia seja um Michel Temer fortalecido pela novidade.

O problema é que, quando se mantém um governo em cativeiro por muito tempo, a democracia definha junto com ele. Traumatizada, passará a ter medo de muita coisa. Inclusive da liberdade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.