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Leonardo Sakamoto

Quem votar com Temer pela Reforma da Previdência não terá onde se esconder

Leonardo Sakamoto

04/08/2017 10h18

Foto: Andre Coelho/Agência O Globo

Enquanto o debate sobre o afastamento de Michel Temer pegava fogo na Câmara dos Deputados e todas as manchetes voltavam-se para o assunto, os temas mais lidos nos principais portais do país eram a troca de Neymar do Barcelona para o PSG (UOL), a história de um bispo acusado de estupro de vulnerável (G1) e uma modelo que teria sido obrigada a fazer um sriptease (R7).

Se a oposição não tivesse sido bem sucedida em sua estratégia de empurrar a votação para o horário nobre, contando com a transmissão pela TV Globo, como veio a acontecer, uma boa parte da população do país não teria ficado sabendo de nada. Alguém pode até argumentar que o tema estava entre os treding topics no Twitter, o que não é grande coisa. Apenas que o assunto foi quente em uma das bolhas na rede (ou que havia robôs ativados para tanto).

Diante da falta de perspectivas, a maior parte do povo ligou o modo automático com relação ao seu governo e está tentando levar a vida da melhor maneira possível à revelia do poder público. A compra descarada de votos para evitar o afastamento de Temer, se gera indignação em quem acompanha mais de perto o cenário político nacional, é apenas mais um escândalo para o qual as pessoas estão saturadas.

Elas sabem que grande parte dos deputados está lá apenas para garantir o seu faz-me-rir, então nada de novo.

Outra coisa, contudo, é acreditar que a mesma população vá encarar com naturalidade votos dos parlamentares em prol de uma tungada feroz em suas aposentadorias, ou seja, no seu direito à dignidade na velhice. Nesta quinta (3), o ministro da Fazenda Henrique Meirelles disse que espera que a Reforma da Previdência seja votada na Câmara e no Senado até outubro – um sinal ao mercado de que o governo está retomando a agenda do poder econômico.

Antes disso, os parlamentares querem votar o que chamam de Reforma Política – um simulacro das medidas que deveriam ser implementadas para reduzir o abismo de representatividade entre políticos e a sociedade. Querem aprovar o fundo público de financiamento de campanhas eleitorais, além de outras medidas, como o "distritão", sistema em que se elegem os mais votados em cada estado, diminuindo a importância das legendas e aumentando as chances de reeleição dos atuais parlamentares.

O problema é que não importa se uma emenda parlamentar obtida por um deputado para manter Temer noPalácio do Planalto possibilitou o asfaltamento de um rodovia vicinal em sua base eleitoral. Tampouco que a sua campanha terá mais recursos para circular o seu nome em sua cidade. Você acha que um cidadão vai apoiar aquele que o fez trabalhar mais anos antes de descansar? Só acreditará nisso o deputado que tiver tendências políticas suicidas.

Michel Temer é tão impopular quanto a Reforma da Previdência de acordo com os institutos de pesquisa. Mas a diferença é que a população sabe que Temer vai embora, na pior das hipóteses, em janeiro de 2019. E as mudanças nas aposentadorias são para sempre.

Vendo a chance de catástrofe, o governo trabalha com uma versão que imponha uma idade mínima de 65 para homens e 60 para todos, independentemente do tempo de contribuição. Nessa versão, ele não mexeria com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais, nem com aumentaria a idade mínima para aposentadoria especial de idosos pobres – se adotadas essas duas medidas seriam um crime contra a dignidade dos mais vulneráveis.

Mas a área econômica segue irredutível quanto a uma parte do núcleo duro da reforma, que também provoca o maior impacto negativo: o aumento do tempo mínimo de contribuição (de 15 para 25 anos). Se isso não for alterado, cortaremos na carne dos trabalhadores pobres e da classe média baixa, que são os que mais necessitam da Previdência Social. Hoje, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65 homens e 60 mulheres). Com a reforma, o número salta para 300 contribuições (25 anos).

Considerando que 80% das pessoas não chegam hoje a esse tempo, de acordo com a própria Previdência. A opção para muitas pessoas pobres que não conseguirão se aposentar será esperar para buscar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ou seja, vamos empurrar milhões de pobres da Previdência para a Assistência Social.

Não se sabe nem de onde o governo vai tirar mais dinheiro para pagar os votos pela Reforma da Previdência. Na verdade, não se sabe nem de onde ele vai parir recursos para afastar a segunda denúncia que o procurador-geral da República Rodrigo Janot deve enviar ao Supremo Tribunal Federal e, portanto, que será votado pela Câmara em breve. Afinal, o problema de comprar votos de deputados é que, uma vez monetizado o apoio nos termos explícitos em que isso ocorreu, a relação nunca mais será a mesma.

Temer precisa de cargos para manter o PSDB da Câmara, essencial para a aprovação da reforma (muitos senadores representam o empresariado e podem votar pela reforma de qualquer forma), mas também de cargos para garantir a lealdade dos outros partidos do centrão que votaram com ele na quarta.

O governo tenta fazer com que mudanças na proposta sejam suficientes para permitir a aprovação do ponto central, ou seja, aumentar o tempo de carregamento do sistema. Para isso, torce para os trabalhadores continuarem se entretendo com outras coisas. O que é um grave erro.

Quando a pauta da Reforma da Previdência estiver na ordem dia para ser votada, Neymar, bispos e strippers não serão capazes de salvar o governo do estrago junto ao eleitorado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.