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Leonardo Sakamoto

Diante de um Brasil agonizante, Congresso assume sem pudor o papel de urubu

Leonardo Sakamoto

16/08/2017 13h17

Foto: Adriano Machado/Reuters

É difícil eleger qual a maior sacanagem cometida pelo Congresso Nacional contra a população.

A despeito da aprovação de reformas que farão com que trabalhadores comam o pão que o diabo amassou e de leis que reduzem direitos e qualidade de vida, o fundo do poço é quando um deputado ou senador age, descaradamente, para se apropriar de recursos públicos através de projetos no parlamento.

É o que está acontecendo, neste momento, com um grupo de parlamentares que devem R$ 3 bilhões de reais aos cofres públicos e tenta aprovar mudanças especiais que o beneficia. O cidadão comum tem que pagar juro e multa quando atrasa um imposto. Eles querem ganhar perdão e melhores condições de pagamento.

De acordo com Júlio Wiziack, da Folha de S.Paulo, uma fatura está sendo cobrada de parlamentares por ter dado 54 votos a fim de garantir que Michel Temer não fosse afastado da Presidência da República para ser julgado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal. Ao todo, o programa de refinanciamento de dívidas de contribuintes, no qual os deputados querem arranjar um ninho para se aquecer, pode significar um perdão de mais de R$ 220 bilhões.

Exemplos de parlamentares e suas dívidas que puxam o projeto de refinanciamento: Newton Cardoso Jr (R$ 83,5 milhões), Alfredo Kaefer (R$ 52,8 milhões), João Gualberto Vasconcelos (R$ 8,4 milhões), Mendonça Júnior (R$ 1,6 milhão), Arthur Lira (R$ 1,5 milhão), Izalci Lucas (R$ 224 mil).

Vale lembrar que um dos motivos que levou Temer a ter o voto da bancada ruralista foi o perdão a produtores rurais de cerca de R$ 7,6 bilhões com relação a juros, multas e encargos devidos ao Fundo de Assistência do Trabalhador Rural – que ajuda a manter aposentadorias. Isso sem contar a mudança na alíquotas, que que reduzirá a contribuição dos empregadores rurais e aumentará a crise na área. Daí, o governo, com a maior cara de pau do planeta, vem a público dizer que o sistema de aposentadoria rural está em crise e, por isso, esse trabalhador – que muitas vezes já sobrevive de Bolsa Família – terá que ralar mais para ajudar o Brasil.

Por que fazem isso? Porque podem. Grande parte da sociedade até fica indignada, mas não acredita mais em seu país. Outra parte grita e ninguém ouve. Há aqueles que não sabem o que está acontecendo e acham que tudo é uma luta contra a venezuelização do mundo. E uma minoria da minoria da minoria, já rica, parte das elites econômica e política, enche os bolsos com tudo isso, enquanto você discute se o nazismo é de direita ou de esquerda.

Quando alguém diz que Temer se mantém no poder através de emendas, cargos para aliados e perdões de dívidas não conta toda a verdade.

A explicação correta seria outra: um político com 5% de aprovação e que acumula evidências de corrupção consegue livrar o pescoço da guilhotina da Lava Jato porque se mantém entregando dinheiro do contribuinte a parlamentares que conseguem ser tanto quanto ou menos éticos. Por causa disso, pessoas morrem em filas de hospitais públicos, crianças ficam sem merenda e transporte escolar decentes, pesquisadores que produzem nossa ciência deixam de receber remuneração, policiais que deveriam ter tranquilidade para garantir a nossa segurança acabam se entregando a bicos arriscados para manter suas famílias, populações indígenas e quilombolas vão para o vinagre e a qualidade da água que você bebe e do ar que respira vão para o beleléu, pessoas escravizadas correm o risco de continuam assim por falta de operações para libertá-las.

Diante de tudo isso, a Câmara dos Deputados vota, nesta quarta (16), uma Reforma Política, com regras que podem aumentar ainda mais o fosso com a sociedade. Parece piada.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.