Topo

Leonardo Sakamoto

Governo paralisa combate a trabalho escravo e infantil por falta de verba

Leonardo Sakamoto

19/08/2017 12h47

Ao contrário do que informou o governo Michel Temer, de que recursos para operações de fiscalização para o combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil seriam garantidos mesmo com os cortes no orçamento, o dinheiro para executar essas ações acabou nesta semana.

E não é apenas para essas situações. Não há mais recursos em caixa para qualquer fiscalização em território nacional que tiver que ser feita fora das capitais ou das cidades em que exista um escritório regional do ministério. E, ainda assim, desde que os auditores fiscais não precisem de combustível para deslocamento.

Isso inclui fiscalizações para verificar irregularidades no trabalho rural, em grandes obras de engenharia, no trabalho urbano em cidades menores, com seus portos e canteiros de obras da construção civil. A paralisação afeta até a checagem de ocorrência de acidentes que resultaram em mortes e da situação de emprego de pessoas com deficiência. Remanejamentos internos devem ser realizados para garantir a continuidade das operações em andamento, mas não há como iniciar o atendimento a novas denúncias ou mesmo manter a inspeção de rotina.

O núcleo do enfrentamento ao trabalho em condições análogas às de escravo no Brasil tem sido os grupos móveis de fiscalização, coordenados por auditores fiscais do trabalho e que contam com a participação de policiais federais e rodoviários federais e de procuradores do Ministério Público do Trabalho. A falta de orçamento afeta diretamente esse grupo, mas também ações organizadas por equipes de fiscalização rural nos estados.

Há, neste momento, uma "pane seca" na inspeção que garante o cumprimento da legislação trabalhista em todas as unidades da federação por falta de recursos para combustível, veículos, deslocamento aéreo e diárias para hospedagem e alimentação dos funcionários públicos.

Informação, obtida de fontes no Ministério do Planejamento, aponta que o Ministério do Trabalho receberia uma remessa de R$ 50 milhões para custear suas atividades, mas houve uma ordem a fim de que os recursos fossem destinados ao DataPrev.

Diante da repercussão negativa gerada pela perspectiva de paralisação das atividades, o governo federal afirmou que não haveria interrupção. O ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira teria se empenhado pessoalmente para garantir os recursos para a fiscalização e R$ 10 milhões foram planejados para a área. Mas tiveram outro destino por decisões externas ao ministério.

Desde a noite desta sexta (18), tenta-se contato com o Ministério do Trabalho. Assim que houver um posicionamento, ele será incluído aqui.

Arrecadação – Deixar de prover recursos para a fiscalização é um tiro no pé, tanto do ponto de vista da qualidade de vida trabalhador quanto do caixa do governo federal, pois a atividade tem função arrecadatória. Contribuições sociais e previdenciárias são pagas após a autuação de irregularidades por auditores.

E também regularizadora, uma vez que a fiscalização atua junto a postos de trabalho informais, levando empregadores a contratarem legalmente. De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego no segundo trimestre de 2017 teve a primeira queda desde dezembro de 2014. Mas isso foi puxado pelo aumento no número de empregados sem carteira de trabalho assinada, que cresceu 4,3% no trimestre e subiu 5,4% em relação ao mesmo período de 2016.

A falta de recursos para a fiscalização, soma-se à falta de pessoal. Uma nota técnica enviada, em maio deste ano, pelo Ministério do Trabalho ao Ministério do Planejamento mostra que o país tem um déficit de 1190 auditores fiscais – o Estado prevê a existência de 3600 vagas para essa função, mas há 2400 em atividade hoje, número semelhante à década de 90 quando o número de empresas e fazendas a serem inspecionadas era muito menor.

A nota afirma que, do total de municípios brasileiros, 48,7% não contaram com qualquer fiscalização rural nos últimos quatro anos, levando a um índice de informalidade (55,24%) muito maior que o da área urbana (22,32%), onde a fiscalização é mais presente.

Trabalho escravo e infantil – Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão e criou o sistema nacional de enfrentamento ao problema, mais de 50 mil pessoas já foram resgatadas dessas condições por equipes de fiscalização subordinadas ao governo federal.

As principais atividades econômicas envolvidas foram criação de gado, extração vegetal e mineral, produção de carvão vegetal para a siderurgia, produção de soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batata, cebola, construção civil e vestuário. O país, até agora, tem sido considerado um exemplo internacional no combate a esse crime Contudo, em abril do ano passado, agências das Nações Unidas no Brasil divulgaram documento demonstrando preocupação com retrocessos no combate a esse crime, que têm ocorrido por pressões de determinados setores econômicos e de parlamentares que os representam.

Entre 2005 e fevereiro de 2016, as ações de fiscalização contra o trabalho infantil afastaram mais de 64 mil crianças e adolescentes dessa condição. Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostram que 2,67 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhavam no Brasil em 2015. Um estudo da Fundação Abrinq mostrou um aumento de 8,5 mil crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho infantil, enquanto a faixa de 10 a 17 anos reduziu em 659 mil na comparação entre 2015 com 2014.

O Brasil segue com dificuldades de combater o núcleo duro do trabalho infantil, formado pelo trabalho infantil rural, o trabalho infantil urbano informal e ilegal, o trabalho infantil doméstico e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.