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Leonardo Sakamoto

Mensagem "messiânica" pode levar eleição presidencial em 2018

Leonardo Sakamoto

22/08/2017 09h38

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles afirma que uma "mensagem reformista" deve ganhar as eleições de 2018. Se ele estiver falando de reformas, como a da Previdência, está tentando vender fantasia. Quem defender algo assim vai levar ovada na rua durante a campanha e só ganha para síndico de prédio de condomínio rico. Pois propostas que tiram direitos como essa já se provaram tão impopulares quanto seu chefe, Michel Temer. Não é à toa que o governo luta tanto para aprova-la antes de iniciada a campanha do ano que vem. Depois disso, torna-se radioativa. Meirelles, a propósito, quer vender a si mesmo como candidato ao defender que as reformas elegeriam alguém.

Não acredito que o discurso de mudança seja o carro chefe das eleições de 2018. O que está se desenhando é uma eleição em que os candidatos venderão que estão em uma santa missão contra alguma coisa. Não promoverão o debate público, mas conflagrarão uma multidão de seguidores. Vamos pegar os quatro competidores que, independentemente dos índices, estão nos holofotes.

Luís Inácio Lula da Silva sabe como ninguém encaixar a própria história de vida no arco narrativo da trajetória do herói – saiu do nada, viveu o mundo, desceu ao inferno e renasceu como líder com a missão de "salvar" o Brasil. Mas como muitos heróis míticos, um de seus maiores erros foi não ter deixado surgir uma liderança natural dentro do Partido dos Trabalhadores que pudesse substitui-lo, tendo sempre apontado sucessores que nem sempre deram certo. Mal que é da própria esquerda latino-americana, diga-se de passagem. Dessa forma, reescreve a bíblia, fazendo com que Moisés, apesar dos seus erros, tenha que conduzir ele próprio o povo à Terra Prometida enquanto Josué serve apenas de figuração para segurar o cajado quando o chefe não pode ou não quer carregá-lo.

Geraldo Alckmin considera-se como uma espécie de escolhido. Acredita que estava nos lugares certos e nas horas certas por intervenção divina. Foi assim que ele, um quadro quase inexpressivo do PSDB, tornou-se vice e, então, governador com a morte de Mário Covas. Uma liderança tucana afirmou ao blog que as chuvas que acabaram com a última grande crise de falta de água em São Paulo representaram um alívio para uma iminente hecatombe (causada pela incompetência do governo estadual), mas o "lado ruim" foi de que elas também trouxeram a Alckmin a certeza que ele era mesmo ungido pelo divino. Como ele seria o homem que Deus (Jeová, consultado, nega) decidiu para a tarefa de levar o Brasil adiante, seria apenas questão de tempo chegar lá.

João Doria não é religioso como Lula ou Alckmin. Senta-se ao lado de pastores televisivos por pragmatismo – que interessa aos dois lados, claro. Mas como bem comentou uma pessoa do alto escalão de sua administração, ele é melhor em fazer campanha do que em governar. E como seu provável programa à Presidência – entregar o público ao privado – não agrada parte do povo, ele ergueu a bandeira do antipetismo como sua missão de vida, vestindo-se de gari, de pintor, de candidato à Presidência e até nas poucas vezes que tem se vestido de prefeito. Ou seja, sua missão é se construir como a nêmesis de Lula, por isso que ele ama odiar o petista. E será em nome dessa missão que irá declarar o adeus ao seu partido para concorrer com o apoio de Temer, caso lhe neguem legenda.

Jair Bolsonaro promete devolver o país ao passado, quando os militares estavam no poder, em nome da "ordem" e "honestidade". Ele, que foi considerado um insubordinado pelo Exército, só não diz que rios de dinheiro fluíram via corrupção naquela época e que a ordem era garantida através da tortura e morte de dissidentes e pelo assassinato de trabalhadores descontentes. Ele, que ironicamente tem Messias como primeiro sobrenome, se vende como tal, vendendo-se como a pessoa com a missão de "salvar o Brasil" do desvirtuamento e da insegurança. Promove, para isso, um casamento do atraso, entre o militarismo e o fundamentalismo religioso. E com um discurso carismático e raso, tem afirmado as minorias não mais vão ameaçar, com suas reivindicações de igualdade, os "homens e mulheres de bem". Deixando claro que o Brasil precisa, na verdade, ser salvo dele.

Diante de um momento de descrédito completo nas instituições, políticos vão se aproveitar do desalento para se venderem como o "caminho, a verdade e a vida", prometendo guiar a população para um mundo de luz.

Diante disso só consigo transcrever um trecho de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, que narra a guerra de Canudos, arraial criado pelo principal líder messiânico tupiniquim, Antônio Conselheiro:

"Ademais, não havia temer-se o juízo tremendo do futuro. A História não iria até ali. Afeiçoara-se a ver a fisionomia temerosa dos povos na ruinaria majestosa das cidades vastas, na imponência soberana dos coliseus ciclópicos, nas gloriosas chacinas das batalhas clássicas e na selvatiqueza épica das grandes invasões. Nada tinha que ver naquele matadouro. O sertão é o homízio. Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado, não indaga do crime. Tira o chapéu, e passa. E lá não chegaria, certo, a correção dos poderes constituídos. O atentado era público".

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.