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Leonardo Sakamoto

Problema do país não é como se vota, mas em quem se vota

Leonardo Sakamoto

22/08/2017 12h05

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Diante do mar de enxofre em que flutua o Congresso Nacional, como ponderar com a sociedade brasileira que o sistema eleitoral vigente hoje no país não é a razão do problema?

Acostumamos-nos à ideia de que se algo não funciona direito deve ser trocado e não ajustado. E estamos indo pelo mesmo caminho.

Em nosso sistema atual, o proporcional com lista aberta, os votos são dados aos partidos e aos seus candidatos. Divididos o total de votos válidos em uma eleição pelo número de cadeiras em disputa, obtém-se quantas vagas cada partido terá direito, ocupadas pelos mais votados, dentro deles, pela população.

O que é visto como distorção, a existência de grandes puxadores de votos, na verdade respeita uma lógica de representação. Se centenas de milhares votam em um candidato a deputado federal, isso significa que querem que suas ideias tenham força no Congresso Nacional. Para tanto, esses eleitos precisam de uma bancada robusta, que será eleita com o excedente desses votos. Os casos de Tiririca ou Enéas Carneiro, votos de protesto, são distorções que chamam a atenção, mas aceitáveis pelo fato de que nenhum sistema será perfeito.

O sistema poderia ser corrigido com a introdução de uma cláusula de barreira que encontrasse uma maneira de evitar a proliferação das legendas de aluguel que não têm propostas para o país e vivem de vender espaço de TV e do fundo partidário. E com o fim da coligação para eleições proporcionais, impedindo que alguém que vote no PT ou PSDB, por exemplo, ajude a eleger alguém de outro partido com o qual não tem identificação.

O problema não é um partido lançar muitos candidatos, mas o custo global da eleição ser alto. Com a concorrência de outros estímulos muito mais eficazes na TV ou na internet, ninguém tem paciência para assistir a alguém falando por minutos de política sem uma embalagem minimamente atrativa do conteúdo.Isso tem um custo, portanto, ao contrário dos que defendem que cada político transmita uma live precária via redes sociais para angariar votos. O que não significa que campanhas não possam e não devam reduzir drasticamente seus valores, reduzindo a indústria de lucros eleitorais, aumentando o corpo a corpo, ganhando as ruas.

Achar que uma reforma no sistema eleitoral, por si só, reduzirá e melhorará a qualidade dos partidos é apenas uma aposta que pode custar caro se não for precedida dessas mudanças.

A implementação do "distritão" ou de uma aberração maior que está sendo gestada na Câmara, o "semidistritão" (que, ao contrário do que diz o nome, não é metade da tragédia, mas a tragédia ao quadrado) não vai mexer com o abismo entre a sociedade e seus representantes políticos, pelo contrário, pode aumentá-lo. Será cada vez menos necessário construir uma relação com a bases de eleitores. Ao invés disso, o foco pode ir para o desenvolvimento da imagem pessoal como um produto vendável a ser consumido em massa ou de buscar mais formas de usar os recursos da máquina pública a fim de se reeleger.

A principal mudança, neste momento, não deveria ser de sistema, mas nos partidos políticos, que chegam a funcionar como pequenos currais atendendo a seus coronéis. A Reforma Política prevê alguns acenos nesse sentido, mas são insuficientes. Poucas coisas no Brasil são tão pouco democráticas como a maioria dos partidos: as tomadas de decisões ficam nas mãos dos diretores sem consulta à base, a estrutura é criada e recriada de acordo com o humor desses dirigentes, a presença de homens brancos em cargos de comando e em campanhas é ridicularmente alta (apesar deles serem minoria na sociedade), a construção de projetos para o país é deixada de lado em detrimento à formulação de projetos de poder e de ganhos pessoais.

Uma Reforma Política deveria mudar a forma como se faz política nas instituições básicas sobre as quais nossa democracia está assentada antes de um debate sobre sistemas eleitorais. Mas aí chegamos a um ponto importante: o objetivo desta reforma não é trazer a política para perto do povo, mas encastelá-la ainda mais, criando formas para entronizar e perpetuar quem já está no poder. Tudo pode mudar, desde que permaneça como está.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.