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Leonardo Sakamoto

Ataque sexual em trens e ônibus é tão comum quanto a estupidez dos homens

Leonardo Sakamoto

01/09/2017 08h56

Grupo de mulheres faz ato contra violência em vagões do Metrô de São Paulo em 2015 Foto: Marcelo D. Sants/Estadão Conteúdo

A frequência de casos de homens que ejaculam em mulheres em ônibus e trens é assustadoramente alta, mesmo considerando que a subnotificação é uma realidade por conta da vergonha, do trauma e do medo.

Dados obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo apontam que, entre 2013 e 2016, o número de boletins de ocorrência registrados por estupro, estupro de vulnerável, ato obsceno, importunação ofensiva ao pudor em ônibus municipais, trens do metrô e da CPTM aumentaram 850%.

A maioria dos casos não foi em ônibus, como no último que gerou indignação pública na capital paulista, mas em trens que servem regiões pobres. Basta dar um Google em termos como "homem, goza/ejacula, CPTM/metrô" para ver a coleção de aberrações. Há relatos das abordagens, em páginas na internet, mostrando que a violência é perpetrada, muitas vezes, de forma planejada e depois torna-se motivo de orgulho para os envolvidos. Em outros casos, o agressor afirma que a culpa é da vítima que o teria "provocado" ou se "insinuado".

Uma pesquisa, realizada pelo instituto Datafolha e encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em setembro do ano passado, mostrou que, dos entrevistados, 30% achavam que a afirmação "a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada" está correta. O percentual é o mesmo entre homens e mulheres e aumenta entre idosos e pessoas com menor grau de escolaridade. Ao mesmo tempo, 37% dos entrevistados concordavam que "mulheres que se dão ao respeito não são estupradas". Neste caso, a porcentagem era maior entre homens (42%) do que entre mulheres (32%).

Essa violência no transporte público não começou agora, mas vem crescendo e está conectada a essa percepção absurda de que a vítima é a responsável pela agressão. Percepção que tem um terreno fértil para crescer por aqui. Mas também de que a mulher é um objeto descartável para a satisfação do desejo masculino. O próprio ato é uma clara demonstração de poder, com o objetivo de colocar a mulher "em seu devido lugar".

Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de fazermos comentários machistas, preconceituosos e violentos se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente por outros homens em um almoço de família, no intervalo das aulas da faculdade, na mesa de bar. E, é claro, também nas conversas, publicações, curtidas e compartilhamentos no Facebook, Twitter e WhatsApp. Mas, infelizmente, não atuamos para qualificar esse debate publicamente.

Em uma sociedade historicamente estruturada em torno da violência de gênero, nossa responsabilidade como homens não é apenas evitar que nós mesmos sejamos vetores do sofrimento simbólico, psicológico ou físico das mulheres cis e trans. Mas atuar para que os outros também não sejam.

Sim, ao ver um colega relinchando aberrações inconcebíveis na mesa do bar e não questioná-lo por isso, dando uma risadinha de canto de boca; ao ouvir aquele tio misógino defender que "mulher que se preze não usa saia curta" e ficar em silêncio; ao assistir àquele "humorista" ou "político" fazer apologia ao estupro e não mudar de canal ou enviar mensagem protestando às autoridades; ou ao se deparar com um amigo compartilhando histórias de violência sexual e sua única reação foi um beicinho de desaprovação, você – em maior ou menor grau – está sendo cúmplice de tudo isso.

O que acontece no transporte público é a consequência grave desse contexto.

Como já disse aqui mais de uma vez e repito: nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for.

Isso não é censura ou vigilância "politicamente correta", pelo contrário. Esses são atos para ajudar a garantir que as mulheres possam desfrutar da mesmo liberdade que nós temos – liberdade que nossos atos e palavras sistematicamente negam a elas. Não há paz em uma democracia em que 85% das entrevistadas tem medo de ser estuprada.

Para falar a verdade, nesse caso, duvido muito que ainda exista uma democracia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.