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Leonardo Sakamoto

Geddel, preso pelos R$ 51 milhões, vai chorar novamente diante do juiz?

Leonardo Sakamoto

08/09/2017 12h11

Foto: Dida Sampaio/Estadão

Geddel Vieira Lima foi preso, na manhã desta sexta (8), atendendo a uma decisão da Justiça Federal em Brasília. A Polícia Federal apontou indícios de que os R$ 51 milhões apreendidos num apartamento em Salvador pertenceriam a ele, incluindo aí suas impressões digitais nas cédulas.

Segundo a decisão, Geddel estaria descumprindo os termos de sua prisão domiciliar (situação em que estava desde julho), pois são fortes os indícios de continuidade de conduta criminosa, como a lavagem de dinheiro.

O que impressiona nessa história é que ele manteve, naquele apartamento de piso frio e estética duvidosa, caixas de papelão e malas surradas com dinheiro suficiente para comprar uma votação de uma bancada de parlamentares (só uma, claro), mesmo depois de ter sido tragado para dentro de um escândalo político nos últimos meses. Mais do que cara de pau ou burrice é a certeza de que vivemos em um ambiente institucional tão esgarçado que a efetividade da lei continua a exceção, não a regra. E a consequente punição, um acidente de percurso.

Em novembro do ano passado, ao ser questionado sobre a pressão que realizou em nome da construção de um prédio onde ele teria um apartamento de luxo, em uma região tombada pelo patrimônio histórico em Salvador, o então ministro Geddel Vieira Lima afirmou diante da repercussão negativa: "Deixar cargo por isso? Pelo amor de Deus!"

Em um (utópico) ambiente de respeito à ética, Geddel Vieira Lima teria chamado uma coletiva à imprensa, lido uma carta pedindo desculpas de forma constrangida e, depois, desaparecido da vida pública.

Acabou deixando o ministério para evitar que o caso lançasse (ainda mais) lama sobre o governo federal, atrapalhando o esquema do grupo político do qual faz parte. Seu derradeiro documento não foi dirigido à nação, mas ao supremo mandatário, começando com um "Meu fraterno amigo presidente Michel Temer" e terminando com "Um forte abraço, meu querido amigo".

"Retornado a Bahia, sigo como ardoroso torcedor do nosso [grifo meu] governo, capitaneado por um Presidente sério, ético e afável no trato com todos", escreveu também. Ao que tudo indica, não ficou apenas na torcida.

Em julho deste ano, foi preso por suspeita de atrapalhar investigações da Operação Cui Bono, desdobramento da Lava Jato, que apura fraudes na liberação de créditos da Caixa Econômica Federal. Geddel teve um cargo no banco durante o governo Dilma e teria se beneficiado de esquema envolvendo grandes empresários.  Depois de alguns dias no presídio da Papuda, foi liberado pela Justiça para cumprir prisão domiciliar, mesmo sem tornozeleira eletrônica, devido à falta desse aparelho na Bahia, onde mora.

Assegurou ao magistrado que analisou sua soltura de que "com toda a força da alma" não faria nada para leva-lo novamente à prisão, para evitar o constrangimento pelo qual tem passado. E chorou diante do juiz, que o manteve preso. Não foi a primeira vez em que isso acontece. Quando investigado pela CPI do Orçamento, o então deputado federal Geddel Vieira Lima também chorou diversas vezes ao prestar depoimento em 1994. Naquela época, foi inocentado.

Essa é a parte que mais me fascina. Não me importa se as lágrimas foram falsas ou verdadeiras, mas que tipo de psicopatia está relacionada a alguém que comete crimes em série, segundo descrição do próprio Ministério Público Federal, e não encara as consequências de cabeça erguida? Como alguém que ocupa cargos importantes desde o governo Fernando Henrique Cardoso e tem sistematicamente sido envolvido em casos de corrupção, pode apelar para um expediente tão patético?

Talvez esteja exatamente nisso sua resistência e durabilidade. Afinal, em uma guerra nuclear, apenas os animais mais adaptados, que fazem o que for preciso ser feito, sobrevivem ao final.

O seppuku (conhecido aqui como harakiri) é um suicídio ritual, parte do código dos antigos samurais, realizado para evitar ou compensar a perda da honra. A discussão se esse é um ato de coragem ou de covardia é longa e não me interessa neste texto. E o Japão, ao contrário do que se imagina, é um país onde a corrupção corre intensa, junto à iniciativa privada e ao poder público. E essa não é a saída adotada na maioria dos casos, caso contrário, haveria um mar de sangue.

O então ministro da Agricultura de lá, Toshikatsu Matsuola, cometeu suicídio não com uma lâmina afiada, mas via enforcamento, em 2007. A razão foram os escândalos de corrupção e de mau uso de recursos públicos em que estava envolvido. O advogado Leonidas Tzanis, ex-ministro do governo grego, cometeu suicídio em 2012. Ele teve seu nome incluído numa lista de supostos fraudadores de impostos que circulou pelo país. Adrian Nastase, ex-primeiro-ministro da Romênia, tentou se suicidar com um tiro na garganta após a Justiça confirmar sua condenação a dois anos de prisão por corrupção também naquele ano. Financiamento ilegal de campanha.

Não estou sugerindo que Geddel ou qualquer outra pessoa siga esse exemplo bizarro. Considero mais avançado um sistema social no qual as pessoas que causem danos aos outros sejam punidas com a perda de patrimônio ou, nos casos extremos em que o indivíduo ainda represente um risco à sociedade em crimes contra a vida e a dignidade, perda de liberdade. Um sistema em que é possível a ressocialização. Ou seja, prefiro acreditar em uma sociedade capaz de recuperar ou pelo menos frear alguém com o perfil dele.

Estou apenas elucubrando se Geddel é capaz de sentir vergonha sincera por tudo isso. Ou se a vergonha que disse ao juiz ter sentido foi apenas por ter sido pego. Ou ainda se é tudo uma grande encenação e, em sua cabeça, vergonha temos que sentir todos os outros, manés diariamente subtraídos de sua dignidade, por seu grupo de amigos que segue no poder.

De acordo com o Painel, da Folha de S.Paulo, em almoço com aliados, Michel Temer afirmou que a gravação do diálogo entre Joesley Batista e Ricardo Saud era "nojento".

Sobre os R$ 51 milhões em espécie do "fraterno" e "querido" amigo Geddel, nem uma palavra.

Post atualizado às 16h30 para incluir informação sobre a CPI do Orçamento em 1994.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.