Topo

Leonardo Sakamoto

Ouro de chefão das Olimpíadas deveria ir para famílias expulsas pelos jogos

Leonardo Sakamoto

06/10/2017 18h00

Moradora caminha entre os escombros da Vila Autódromo. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e responsável pela Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman, foi preso provisoriamente pela Polícia Federal em um desdobramento da investigação sobre compra de votos para a escolha da capital carioca como sede dos Jogos Olímpicos do ano passado. Ele também é acusado de ocultação de bens – contava com 16 barras de ouro, com 1 kg cada, que valem aproximadamente R$ 2 milhões, depositados em um banco na Suíça.

Caso comprove-se que elas são fruto de enriquecimento ilícito, sugiro que o ouro seja encaminhado às centenas de famílias da Vila Autódromo que foram removidas para dar lugar "ao espírito dos jogos". Apesar de moradores e especialistas terem apresentado alternativas para que a comunidade fosse mantida, a especulação imobiliária falou mais alto.

Ou aos operários que se esfolaram por menos que o justo nas obras que foram chamadas de "o legado do Rio".

Ou às comunidades que foram exploradas a milhares de quilômetros de distância para garantir a madeira, o aço, o couro que estiveram na construção do "sonho olímpico".

Ou para as periferias e morros que, vigiados pelas Forças Armadas, pela Força Nacional e pela Polícia do Rio, seguiram o script imposto pelo governo, com um fuzil na cabeça, para que o mundo visse "como unido é este país".

Considerando que muita gente foi tratada como lixo para que as Olimpíadas ocorressem, a quantidade de ouro para cada um dos atingidos não revestiria nem uma medalha. Mas para quem está acostumado a ser deixado sempre em último lugar por autoridades que roubam e trapaceiam, teria ao menos um valor simbólico.

Repito o que escrevi naquela época: Há muito os Jogos Olímpicos são um negócio e seus organizadores mercadores, que transformam até papel higiênico em artefato oficial da competição, mostrando que é possível limpar a bunda "mais rápido, mais alto e mais forte". Foi patético termos comemorado o fardo de receber Olimpíadas, com cenas ridículas de autoridades em prantos. Pior, brigamos por isso.

Somos um povo tão mirim que precisamos da justificativa de eventos esportivos para catalisar nossa vida esportiva e a qualidade da estrutura urbana. Justificativas vazias porque boa parte das promessas nem foi cumprida. Um povo que ignora o destino de moradores das áreas impactadas, corrupção a dar com o pau, superexploração de trabalhadores e destruição de mata nativa desde que ganhe a medalha olímpica de futebol.

A verdade é que não foram as cerimônias de abertura que mostraram quem somos ao mundo, com sua narrativa de harmonia fictícia de invasores europeus, africanos escravizados e indígenas massacrados. Muito menos a prisão do ex-todo poderoso Nuzman como desdobramento da Lava Jato.

Mas sim as montanhas de entulhos produzidas com as histórias de vida jogadas fora na Vila Autódromo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.