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Leonardo Sakamoto

Temer ajuda Doria ao vetar teto de doação de ricos às próprias candidaturas

Leonardo Sakamoto

07/10/2017 14h35

Michel Temer e Joao Doria, durante evento em São Paulo Foto: Felipe Rau/Estadão

Michel Temer vetou artigos da nova lei eleitoral, nesta sexta (6), devolvendo aos candidatos a cargos públicos a possibilidade de financiarem o custo total de suas campanhas. A ação beneficiou políticos que são ricos empresários, como o seu aliado, João Doria, que pretende se candidatar à Presidência da República em 2018.

Isso, na prática, mantém a concorrência desleal na democracia brasileira. Os candidatos milionários poderão destinar uma verdadeira fortuna de seus próprios bolsos para tentar se eleger.

Enquanto isso, os demais candidatos contarão com o fundo eleitoral – que, apesar de ter sido aprovado com o valor de R$ 2 bilhões, terá que ser repartido entre candidatos a presidente, governador, senador, deputados federal, estadual e distrital de todos os partidos. Além da doações de pessoas físicas de sua rede de apoiadores e de recursos do fundo partidário.

Ou seja um candidato rico de um partido com uma parcela maior do fundo terá mais condições do que alguém que dependa apenas do financiamento público.

Nas eleições municipais de 2016, a falta de limite para autofinanciamento somada à proibição de doações de pessoas jurídicas privilegiou algumas candidaturas em detrimento a outras. João Doria (PSDB), por exemplo, doou R$ 2.934.100,00 para a própria campanha – o que representou mais de um terço do total.

Nesta quinta, no âmbito da Reforma Política, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma nova fórmula, estabelecendo um teto de autofinanciamento de 7% dos custos totais de uma campanha, até o máximo de R$ 200 mil. Horas depois, o Senado – casa dos políticos-empresários – derrubou o teto.

Contudo, esqueceram que os deputados haviam revogado a lei que previa que um candidato poderia doar sem limites à sua própria campanha. Com isso, o texto que foi encaminhado para a sanção de Temer fazia com que candidatos pudessem doar o mesmo limite dos demais eleitores, ou seja, até dez salários mínimos – ou R$ 9690,00 em valores do ano que vem.

Temer deu uma forcinha para seu amigo Joao Doria, vetando o artigo que trazia essa revogação realizada pela Câmara dos Deputados. Mas também derrubou um outro trecho, que trata do limite de dez salários mínimos para doações de qualquer eleitor, fazendo com que a nova legislação não estabelecesse limite algum. Agora, pessoas físicas podem voltar a doar até 10% de seu rendimento bruto do ano anterior à eleição.

Ou seja, isso beneficia a criação de fundos privados de campanha organizados por empresários, que podem vir a doar mais que dez salários mínimos. E, hipoteticamente, doadores que forem muito ricos também podem transferir R$ 500 mil ou R$ 1 milhão à campanha de um candidato. Mas caso não queiram aparecer como megadoadores ou quiserem usar suas empresas para tanto podem optar por outras menos ortodoxas.

Um candidato-empresário pode doar, por exemplo, R$ 70 milhões de sua fortuna pessoal para a sua própria campanha à Presidência da República. Antes ou depois disso, seus amigos, ricos empresários, podem também repassar recursos através de suas empresas para a empresa do candidato-empresário, até cobrir os R$ 70 milhões. Isso consolidaria uma espécie de "Bolsa Laranja" para grandes empresários que queiram se candidatar.

Em tese, nada de ilegal foi feito: o candidato doou de seu próprio dinheiro e empresários, através de suas empresas, repassaram recursos de alguma forma à empresa do candidato – em um processo que, alegadamente, não está relacionado às eleições. Na prática, contudo, o candidato consegue "lavar" doações e não ter prejuízo.

"Nesse caso, o candidato é seu próprio laranja. Ele finge estar doando de seu próprio dinheiro, mas se ressarce do outro lado. É o que chamo de 'Teoria dos Dois Bolsos': se tenho muito dinheiro no meu bolso pessoal, posso usar na campanha e ninguém saberá se o outro bolso está sendo abastecido", afirma Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

O primeiro processo tramitando com essa argumentação foi iniciado exatamente por Neisser contra João Doria sobre sua campanha à Prefeitura de São Paulo em 2016. Na primeira instância, o magistrado negou a ação, dizendo que o eleito tinha dinheiro para tanto e, por isso, não fazia sentido quebrar sigilos fiscais e bancários para comprovar doações de pessoas jurídicas à sua empresa. Hoje, o Tribunal Regional Eleitoral está analisando o recurso, que conta com parecer favorável do Ministério Público Eleitoral.

A depender de quais forem o presidente e governadores eleitos no ano que vem e a composição dos parlamentos federal, estaduais e distrital, podemos considerar que a Reforma Política serviu para uma coisa: eliminar o intermediário e entregar, de vez, o poder político ao poder econômico no país.

A ironia de tudo isso – e o Brasil não poderia ficar sem uma ironia ao final – é que entre as razões dos vetos de Michel Temer está "garantir maior isonomia dos pleitos eleitorais".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.