Em meio à denúncia contra Temer, chefe do combate à escravidão é dispensado
O ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira dispensou o coordenador da divisão de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, André Roston, de seu cargo de acordo com o Diário Oficial da União, publicado nesta terça (10).
Isso ocorre enquanto o Palácio do Planalto atua para enterrar, na Câmara dos Deputados, a segunda denúncia da Procuradoria Geral da República contra Michel Temer, agora por organização criminosa e obstrução de Justiça. Parte da bancada ruralista e membros de setores econômicos com incidência de resgates de trabalhadores, como o da construção civil, têm feito duras críticas às ações de fiscalização de condições análogas às de escravo. Esses grupos fazem parte da base de apoio do governo no Congresso.
Conforme antecipou o Painel, da Folha de S.Paulo desta terça, o cargo entrou na lista de demandas de parlamentares que negociam votos para barrar a nova denúncia.
Isso é reafirmado em nota de repúdio à dispensa de André Roston, divulgada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). A instituição denuncia "investidas políticas sobre a fiscalização, sempre com objetivos de enfraquecer, desestabilizar ou neutralizar ações que contrariem o poder econômico, incomodado com a ação dos auditores fiscais do trabalho". Segundo a nota, "a medida apenas beneficia maus empresários que não cumprem a legislação".
Desde 1995, quando o governo federal criou os grupos móveis de fiscalização, responsáveis por verificar denúncias e resgatar trabalhadores, mais de 50 mil pessoas foram oficialmente consideradas como tendo sido escravizadas no Brasil. A Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), até agora chefiada por Roston, é a responsável por coordenar essas operações que podem resultar em libertações.
"A exoneração de André Roston, que conseguia gerir o caos promovido pelo governo no combate ao trabalho escravo, diz muito. Escancara o descompromisso e a falta de vontade política com o enfrentamento à escravidão contemporânea", afirma o procurador Tiago Cavalcanti, chefe da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. "A postura do governo é muito clara, mal lhe interessa resgatar trabalhadores de situação de penúria e escravidão."
A resposta do Ministério do Trabalho enviada à imprensa é que "funções de chefia são transitórias, e o combate ao trabalho escravo não depende de uma pessoa. Muitas vezes, substituições de chefias ocorrem para aprimorar aquilo que vem se realizando. O combate ao trabalho escravo e infantil é uma das prioridades do Ministério do Trabalho".
O momento no combate às formas contemporâneas de escravidão é delicado. No início de agosto, os recursos para garantir as operações que resultam em resgates de trabalhadores simplesmente acabaram.
A justificativa dada foi a crise econômica, mas o valor que faltava para terminar o ano era de pouco mais de R$ 3 milhões – menor que emendas parlamentares concedidas a deputados federais que rejeitaram a primeira denúncia contra Michel Temer pelo crime de corrupção passiva.
Com exceção das cidades onde o Ministério do Trabalho conta com escritórios regionais, tornou-se impossível o envio de auditores fiscais para checar ocorrências pela falta de recursos para combustível, hospedagem e alimentação. Questionado sobre a situação atual pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, após convocação, André Roston informou o quadro financeiro aos senadores – o que irritou setores do governo federal.
Por conta da repercussão negativa, o Ministério do Trabalho vem garantindo, desde então, remanejamentos que possibilitam as fiscalizações nacionais. Mas superintendências regionais nos estados, também responsáveis por fiscalizações, seguem com dificuldades no orçamento.
A exoneração ocorre também logo após a divisão chefiada por André Roston finalizar a atualização da "lista suja" do trabalho escravo. Esse cadastro de empregadores, criado em 2003 e atualizado semestralmente, traz ao público o nome de quem foi flagrado com esse crime e teve direito à recurso em duas instâncias administrativas.
A lista é considerada pelas Nações Unidas uma referência global por garantir transparência e subsidiar ações da sociedade e do mercado. A pedido de empresas da construção civil ao Supremo Tribunal Federal, ela chegou a ficar suspensa entre o final de dezembro de 2014 e maio de 2016 – quando foi liberado pela ministra Carmén Lúcia. Contudo, o governo Temer não voltou a publicá-la, o que só veio a acontecer em março deste ano, após uma batalha nos tribunais travada com o Ministério Público do Trabalho.
Na primeira publicação após o seu retorno, a lista teve 17 nomes retirados sem explicação plausível, por ordem do gabinete do Ministro do Trabalho. Após questionamentos da sociedade civil, de grandes empresas (que usam a lista para gerenciamento de risco) e do Ministério Público, os nomes foram reinseridos.
Organizações da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, assinaram uma carta pública manifestando indignação com a exoneração do servidor. Ela afirma que o ato "compromete a erradicação dessa violação aos direitos humanos e revela a inexistência de vontade política e o descompromisso do atual Governo com o enfrentamento do problema".
A carta também é endossada por Flávia Piovesan, secretária nacional de cidadania do Ministério dos Direitos Humanos e presidente da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
"No atual cenário de instabilidade política e de retrocessos sociais, o Governo ignora a diretriz de permanente avanço no combate ao trabalho escravo imposta pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (que recentemente condenou o Brasil em um caso de trabalho escravo) e arruína uma política pública até então assumida como prioritária pelo Estado brasileiro", diz a nota.
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