Topo

Leonardo Sakamoto

A terrível verdade sobre o golpe comunista em curso no Brasil

Leonardo Sakamoto

23/10/2017 20h08

Agentes de expansão do capitalismo fofo, os Muppets serão os primeiros no paredão da revolução

Tenho visto denúncias contra o golpe comunista se avolumarem na internet. O que muito preocupa porque, como todos sabem, nosso plano era secreto.

Todo dia um ex-membro de nossa organização, seja ele empresário, político ou miliciano digital, denuncia uma parte do plano com a intenção de desestabilizar a revolução. Invejosos. Usam tal furor em suas críticas porque, na realidade, desejam voltar a se esquentar nas aveludadas bandeiras vermelhas tecidas com o sangue e o suor dos mártires do proletariado.

Até agora, o plano tem sido perfeito. Ninguém percebeu que enquanto Michel Temer (codinome: Mesóclise) aplicou golpes na recuada CLT, na burguesa Previdência Social e nos direitos sociais, a fim de ganhar a confiança do mercado, o companheiro Henrique Meirelles está lastreando a economia brasileira com rublos, pesos cubanos, wons norte-coreanos, bolívares venezuelanos e, claro, a grande pa'anga, da ilha de Tonga.

Ao mesmo tempo, os companheiros da Brigada Mao Tsé Tung, que foram eleitos sob o disfarce de "Bancada Ruralista", criam uma cortina de fumaça apoiando medidas, como a que dificulta a libertação de trabalhadores escravizados. Assim o povo se distrai enquanto eles se preparam para votar a proposta de emenda constitucional que acaba com a propriedade privada no Brasil.

E os companheiros da Brigada Mikhail Bakunin, que reúne os deputados que se travestem de fundamentalistas religiosos, contrataram milicianos digitais com charutos e rum cubanos e atacaram exposições e espetáculos em Porto Alegre, Jundiaí e São Paulo, bradando contra a sexualidade e o nu. Prenderam de tal modo a atenção da população, que ninguém percebeu enquanto terminávamos o projeto de lei para proibir o casamento heterossexual e legalizar o sexo com animais de casco e, claro, com anfíbios.

O companheiro João Doria (codinome: Farinata) saiu melhor do que a encomenda. Ele está em todos os lugares, sempre disfarçado – ora de gari, de pintor ou de prefeito. Arrebanhou uma multidão de seguidores conservadores nas redes sociais com suas pautas e, assim que atingir 10 milhões de fãs, começará a doutrinação marxista-leninista através da distribuição de memes com ensinamentos de O Capital produzidos pelo camarada Romero (codinome: Britto). O comitê apenas pediu para que ele reduza a quantidade de viagens que realiza pois podem descobrir que tem trazido guerrilheiros em seu jatinho.

Sempre discreto, o camarada Obama tem coordenado, há anos, as lideranças do Foro de São Paulo para planejar a revolução. Os 12, como todos sabem, são Obama, Putin, Lula, Mujica, Evo Morales, Nicolás Maduro, Cristina Kirchner, Kim Jong-un, Xi Jinping, Papa Francisco, o premiê bonitão do Canadá e, é claro, Keith Richards.

O Foro demonstrou preocupação com o companheiro Donald Trump (codinome: Laranja). Cansado de esperar, radicalizou, abriu mais uma facção na esquerda (a de número 6.283) e agora corre pela revolução global por conta própria. Após romper com o comitê, adotou uma estratégia de campanha bem sucedida em parceria com a camarada Hillary Clinton – que aceitou ir para o sacrifício em nome do verdadeiro comunismo. Desde então, está implementando uma linha kamikaze para fazer ruir as bases do Império Estadunidense por dentro. Conseguiu enganar até os inocentes racistas que veem nele seu líder. Tolos… E, se falhar, explodirá tudo com a ajuda do companheiro Kim.

Ao mesmo tempo, o Foro de São Paulo está especialmente preocupado com o camarada Lula. Desde que comprou pedalinhos para o sítio em Atibaia, abraçando o pacote simbólico da burguesia brasileira, tem sistematicamente sabotado os planos revolucionários. Dizem que até assinou Netflix. Seus colaboradores mais próximos revelam que ele voltou a falar em conciliação de classes. A notícia levou a camarada inglesa Theresa May aos prantos.

Esses percalços colocam o lado brasileiro do plano em risco, claro.

Tudo estava indo bem. Em 2014, Dilma foi sedada por um grupo avançado que invadiu o Palácio do Alvorada e levada para um local secreto, onde está sob custódia até hoje. Em seu lugar foi colocada a "Moça", que após cirurgias plásticas em Pequim e intenso treinamento, tornou-se uma cópia perfeita, mas "de luta". A "Moça" foi instruída a manter a política entreguista da verdadeira Dilma até a economia ruir.

Enquanto isso, o companheiro Eduardo Cunha (codinome: O Suíço) avançou com um impeachment nas coxas a fim de tornar o país uma bomba-relógio. Depois, planejou sua própria prisão. Articula com o companheiro Palocci (codinome: Macarrão) os próximos passos internacionais da revolução a partir de um local que ninguém imaginaria, a cadeia.

Uma tragédia para o movimento foi a descoberta do aparelho em Salvador do companheiro Geddel Vieira Lima (codinome: Peroba), onde eram guardados R$ 51 milhões destinados à compra de foices e martelos para ser distribuídos aos militantes de movimentos sociais. Pego antes da hora, contou ao companheiro Dirceu, já na Papuda, que, por sorte, os outros R$ 100 milhões já haviam saído de lá e ido para o Caixa da Mortadela, a fim de alimentar as tropas que estão de prontidão.

O camarada Gilmar Mendes (codinome: Aécio) mandou reclamação para a lista do grupo de WhatsApp revolucionário, chateado com o fato de tantas denúncias contra o golpe comunista estarem vindo a público. E avisou que se cansou do papel que vinha cumprindo para distrair a atenção da opinião pública. Como Keith Richards é o único que conheceu Marx pessoalmente, coube a ele pedir calma a Gilmar.

Na semana passada, o companheiro Michel Temer pediu para avisar ao companheiro Jair Bolsonaro (codinome: Mito) que ele terá prazo mais do que o suficiente a fim de receber o carregamento de armas norte-coreanas do companheiro Kim Jong-un no porto de Santos. Aliás, graças às boas relações do camarada Michel Temer no porto, elas virão escoltadas por mariners do camarada Trump e ninguém notará.

As armas em território brasileiro facilitarão a vida do camarada Vladimir Putin, pois quando ele atravessar a frágil fronteira entre Santa Helena do Uairén, na Venezuela, e Paracaima, em Roraima, encontrará companheiros e companheiras devidamente prontos, treinados (vocês acreditaram que o campo de paintball no Embu era um campo de paintball?) e instrumentalizados para executar a revolução. Será mais fácil que caçar Pokémon.

A encenação do impeachment e do governo Temer e seus desdobramentos manteve a mídia entretida, a elite ensandecida e a população entorpercida. Mas, mesmo com os planos abertos, ainda tenho fé.

Adoro quando me dizem que "isso tudo é teoria da conspiração". É sim. Siga na inocência. Mas não diga que não sabia quando a grande bandeira vermelha estiver tremulando na Praça dos Três Poderes.

Com as tripas do último Mickey, enforcaremos o último Muppet. Vai ser duro, porque gosto dos Muppets. Mas sacrifícios são necessários.

Atenção: Isso é a atualização de uma peça de ficção ruim. Porque é mais fácil Karl Marx passar pelo buraco de uma agulha do que um golpe comunista ocorrer no Brasil hoje.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.