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Leonardo Sakamoto

Deputado vende voto, mas não é suicida: Temer não deve mudar Previdência

Leonardo Sakamoto

26/10/2017 04h04

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Michel Temer teve 251 votos, na Câmara dos Deputados, nesta quarta (25), para mantê-lo no poder. Foram dados por alguns poucos amigos, um punhado de sequestradores e muitos clientes. A diferença entre o "Fica, Temer" e o "Fora, Temer" foi de 18 juras de amor ao microfone – menor, portanto, que as 36 que conseguiu na rejeição à denúncia anterior da Procuradoria-Geral da República.

Com essa votação, Temer não aprova a Reforma da Previdência tal qual desejava no começo. Por ser proposta de emenda constitucional, precisaria de 308 votos. Mas isso já era dado como certo.

Contudo, com esse placar, dificilmente conseguirá adotar seu plano B para a reforma: aumentar de 15 para 25 anos o tempo mínimo de contribuição para quem já se aposenta por idade. O que prejudicaria principalmente as classes média-baixa e baixa.

Nem transformar de 15 anos de comprovação de trabalho para 15 anos de contribuição a exigência aos trabalhadores rurais da economia familiar. O que criaria problemas ao povo pobre do campo.

A depender da estratégia e da proposta do governo, esses projetos teriam que ser apresentados por medidas provisórias pelo Palácio do Planalto na forma de lei complementar à Constituição, o que demanda maioria absoluta (ou seja, 257 votos na Câmara), ou lei ordinária, que demanda maioria simples (ou seja, maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares). De qualquer maneira, como a oposição deve aparecer em peso por ser tema central, o governo vai precisar de toda sua base presente.

É verdade que a maioria dos tucanos, que votou contra Temer, estaria ao lado do governo para aprovar mudanças nas aposentadorias. Afinal, é pauta do partido.

Contudo, também procede o fato que parte considerável dos que votaram com Temer não são suicidas. Sabem que uma coisa é livrar um presidente em um momento de descrédito total com a política e, em troca, conseguir emendas e cargos, perdões de dívidas em impostos ou alterações em medidas e leis para agradar aos patrocinadores. Afinal, a população sempre pode ficar feliz com um asfaltamento de vicinal e esquecer. Outra, é fazer com que um eleitor tenha que trabalhar mais para poder se aposentar devido ao voto do deputado.

Mesmo que os mimos entregues pelo Planalto para aprovar a matéria toquem o coração do parlamentar, será difícil imaginar que teremos muitos deputados em um PDV (Programa de Demissão Voluntária) pessoal. Pois essa traição, o trabalhador mais pobre não vai perdoar.

A maioria dos trabalhadores (52%) já se aposentava por idade até 2014, de acordo com o Dieese. A modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (35 anos, homens, 30 anos, mulheres) representa apenas 29%. E dados da própria Previdência Social apontam que 79% dos trabalhadores que se aposentou por idade no ano de 2015 contribuiu menos de 25 anos.

Para os mais pobres, a idade mínima já existe no Brasil uma vez que eles não conseguem se aposentar por tempo de contribuição. Para eles, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65, homens, 60, mulheres). O governo quer que esse número salte para uma carência de 300 contribuições (25 anos).

Isso não afeta os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas diretamente pelo Benefício de Prestação Continuada. Ou seja, se passar o que o governo quer, esse pessoal não conseguirá chegar aos 25 anos de carência, podem perder a contribuição que fizeram e terão que procurar o benefício assistencial para os idosos pobres para receber uma pensão mínima.

Ao mesmo tempo, as regras para aposentadoria de trabalhadores rurais da economia familiar, extrativistas, pescadores, coletoras de babaçu, entre outros, também podem sofrer mudanças através de projetos de lei e não por propostas de emenda à Constituição.

Nesse sentido está a mudança de 15 anos de comprovação de trabalho (com arrecadação de imposto previdenciário no momento da venda da produção) para 15 anos de comprovação de contribuição, com pagamento mensal de carnê. O que, dada as condições de vulnerabilidade social desse grupo, inviabilizará sua aposentadoria – conquistada cinco anos antes do restantes dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo a Constituição.

Como deputado que comercializa voto é tão esperto que chega a vender a mãe e não entrega, é duro acreditar que haverá um suicídio coletivo na Câmara dos Deputados em nome de uma promessa que Michel Temer fez ao mercado. Provavelmente, o poder econômico vai ter que se contentar apenas com uma Reforma Trabalhista, que tirou a proteção sobre a saúde e a segurança da população em nome da competitividade e do lucro.

Do jeito em que as coisas andam, não duvido que, no final, ainda obriguem os trabalhadores pobres a pedirem desculpas por esse incômodo ao crescimento do país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.