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Leonardo Sakamoto

Quem deveria decidir sobre a Previdência: um banqueiro ou a população?

Leonardo Sakamoto

10/11/2017 03h59

O ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Foto: Adriano Machado/Reuters

Quando gente inteligente nos chama de burro, sinto-me aquecido.

"Eu digo que o Congresso é soberano. No entanto, estamos dialogando e fornecendo cálculos. Não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal", afirmou, nesta quinta (9), o ministro da Fazenda e ex-banqueiro, Henrique Meirelles. O comentário faz parte de seu esforço no sentido de convencer deputados federais a votarem o pacote de mudanças nas aposentadorias.

Fantástica a declaração. Eu que não creio, lembrei do Evangelho de João, capítulo 14, versículo 6 – "Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida".

Teria sido mais honesto, contudo, se ele dissesse algo como: Quem discorda da minha proposta de Reforma da Previdência é incapaz de decidir o que é melhor para a sua própria vida. O problema é que, segundo o última levantamento do Datafolha, isso significa cerca de 71% da população brasileira, que não quer a reforma, se enquadrariam nisso.

Convenhamos que poucos são os que consideram que a Previdência Social não precisa atualizar suas regras. Contudo, o governo Michel Temer, no desespero de sacrificar aposentadorias ao deus-mercado, atropelou o debate público sobre o tema.

Há pesquisas e estudos que apontam outros caminhos. Todos deveriam ser devidamente ouvidos e discutidos. Afinal de contas, é o futuro da população com a qual estão lidando. Melhor uma reforma aceita pela população do que uma imposta na base da chantagem.

Apesar da resistência dos deputados federais (preocupados com as eleições no ano que vem), o ministro Henrique Meirelles insiste em querer aumentar de 15 para 25 anos o tempo mínimo de contribuição para quem já se aposenta por idade (65 anos, homens, 60 mulheres) – o que faria com que muita gente pobre não se aposente. E também aumentar a idade mínima para que os idosos pobres tenham acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), a assistência dada a quem não conseguiu se aposentar pelas vias normais. E ainda transformar os 15 anos de comprovação de trabalho (com recolhimento de impostos no momento da venda da produção) para que os trabalhadores da economia familiar rural possam se aposentar em 15 anos de contribuição, Ou seja, na prática, impedindo que se aposentem.

Essas medidas não precisam de 308 votos (mínimo para aprovação de emendas constitucionais) e podem passar através projetos de lei depois da aprovação da idade mínima para todos os aposentados.

O fato é que também poderíamos parafrasear o ministro e dizer que obrigar que os muito ricos paguem relativamente mais imposto que os mais pobres "não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal". Ou seja, que os dividendos que recebem de suas empresas sejam devidamente taxados. E que sejam criadas alíquotas de 30% a 40% do Imposto de Renda para os que ganham muito.

Mas, daí, seria ir no sentido de ratear a conta da crise econômica entre pobres e ricos, mesmo que um pouco. O problema é que enquanto em outras parte do mundo isso é ser racional, por aqui, é ser comunista.

A equipe econômica chegou a ensaiar uma proposta de retorno da taxação de dividendos. Foi engolida pela ala rica da opinião pública e não se empenhou mais.

O ideal seria levar o tema da Previdência para ser debatido nas eleições do ano que vem. E daí fechar posição, garantindo que a população escolha o projeto com o qual concorde. Mas enfim, no Brasil, a democracia é um detalhe.

Caso consiga aprovar esse pacote e, depois, saia candidato à presidente da República ou a vice, será divertido ver Henrique Meirelles, em campanha, tentando explicar ao povão que foi ele um dos principais responsáveis pela mudança na aposentadoria. E, após outubro, tentando explicar aos deputados que votaram com ele pela Reforma da Previdência porque esses não conseguiram se reeleger.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.